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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
"Paranóia ou Mistificação?"
Ataques atuais à arte contemporânea lembram a crítica conservadora de Lobato ao modernismo
É CÉLEBRE o artigo de Monteiro
Lobato, com o título ao lado,
escrito por ocasião de uma
mostra de Anita Malfatti, no qual o
pai da adorável Emília demonstra
seu horror com a reforma da estética promovida pela arte moderna.
As pinturas de Malfatti são vistas
por Lobato como reflexos de uma
percepção anormal do mundo -e
ele lamenta o fato de a artista ter cedido à influência das "extravagâncias" de Picasso e seus colegas.
Em seu livro "Crítica Cultural:
Teoria e Prática", Marcelo Coelho
toma o artigo do famoso escritor como aquilo que ele é -um modelo de
crítica conservadora. E o disseca, para identificar três traços básicos em
seu antimodernismo: 1) o método de
julgar uma obra nova a partir de critérios já estabelecidos, anteriores e
externos à própria obra; 2) a avaliação de que vivemos num período de
declínio, decadência, degeneração,
doença cultural; e 3) a postulação de
que o crítico de arte seria um representante do "homem comum", enganado pelo artista. O autor observa
com argúcia: o crítico "é ao mesmo
tempo fiscal, médico e promotor de
Justiça".
É impossível não pensar nas reinações conservadoras de Lobato ao
ler opiniões como as expressas pelo
jornalista Luciano Trigo em artigo
publicado pela Ilustrada (19/11). O
alvo agora não são mais as distorções formais e cromáticas da arte
modernista, já institucionalizada.
A doença é a arte contemporânea.
O articulista, na realidade, parte
das idéias de nossos dois grandes
candidatos ao Troféu Paranóia ou
Mistificação do Século 21, a saber,
os críticos e poetas Ferreira Gullar
e Affonso Romano de Sant'Anna.
Ambos têm regularmente atacado
as extravagâncias da produção artística atual.
Não raro, como no artigo de Trigo, as opiniões aparecem recheadas de preconceitos e rancores em
relação ao mercado de arte, ao suposto "descompromisso" das obras
e à inevitável interface midiática
da cultura no mundo de hoje.
Não falamos de um reconhecimento crítico do território da arte
contemporânea, de uma tentativa
legítima de discernir o que seriam
bons e maus trabalhos, bons e
maus artistas. O que temos é a negação "in totum" da produção de
nosso tempo, uma vontade perversa e frustrada de anulá-la, em nome dos "verdadeiros" cânones.
Daí a incrível capacidade de generalização do argumento, que segue a linha "tudo é a mesma coisa":
uma arte que não apresenta "nada
de novo ou original", é "desligada
da realidade" e realizada por gente
interessada apenas em "fama, viagens e dinheiro". O que é, na melhor das hipóteses, ignorância.
Não concordo com a opinião de
Gullar e Trigo sobre as instalações
de Laura Vinci e Débora Bolsoni,
mas eles, obviamente, como outros
críticos, podem detestá-las. Outra
coisa é desqualificá-las e tratá-las
como sintomas de uma doença
maior que precisa ser erradicada.
Não creio que, no futuro, esses
ataques venham a ser lembrados.
Se o forem, provavelmente servirão apenas, como o texto de Lobato, para ilustrar o anedotário crítico do século.
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