São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

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Hoje é dia de Capitu

Do mesmo diretor de "Hoje é Dia de Maria", estréia dia 9 versão televisiva de "Dom Casmurro", de Machado de Assis

Divulgação
Salão do Automóvel Clube do Rio, que remonta casa dos Santiago e memória de Dom Casmurro

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Quando pensou, pela primeira vez, em como faria para transpor para a TV o clássico de Machado de Assis "Dom Casmurro" (1899), o diretor Luiz Fernando Carvalho, 48, desejou filmar a ação nas ruas do Rio de Janeiro de nossos dias.
Mas as cifras correspondentes à realização de uma novela que retratasse o século 19 multiplicaram-se e ele, com a promessa de um orçamento apertado, ficou com o seguinte dilema diante de si: "Ou não fazer, ou pensar num novo conceito".
Foi então que lhe vieram à mente duas idéias do próprio Bruxo do Cosme Velho. "Machado dizia: "a realidade é boa, mas o realismo não serve para nada" e "a vida é uma ópera". Foram dicas para repensar o livro dentro de um formato operístico, moderno e não-realista", disse em entrevista à Folha.
Assim, seria possível fazer algo de barato -pois gravado num lugar fechado e quase sem locações externas- e também respeitar algo que está na estrutura do texto machadiano.
"O modo conciso como os personagens são apresentados, a divisão da ação em cenas curtas, porém densas, são características próprias da ópera."
E é desse modo que a minissérie "Capitu" irá ao ar entre 9 e 13 de dezembro, em cinco capítulos, pela Globo. Trata-se do segundo programa do projeto "Quadrante", criado por Carvalho. "A Pedra do Reino", de Ariano Suassuna, foi o primeiro. Pela frente virão "Dançar Tango em Porto Alegre", de Sergio Faraco, e "Dois Irmãos", de Milton Hatoum.
A releitura, ou "aproximação" -como prefere o diretor- do texto de Machado respeita cada vírgula da obra original.
As imagens, porém, surpreendem pela beleza e pela transformação do espaço. Um mesmo local corresponde a cantos diferentes da memória de um velho Dom Casmurro (Michel Melamed), que narra a própria desgraça e se mostra incapaz de resgatar o passado a partir das sombras de lembranças que vê desfazerem-se nas paredes de um antigo salão.
O espaço também se presta ora para evocar a sala-de-estar da família Santiago, ora os fundos da casa onde Bentinho e Capitu namoravam.
As filmagens foram na sede do Automóvel Clube do Rio, um prédio antigo, com paredes descascadas, no centro.
"Tudo ali é ruína. Um lugar perfeito para contar a história de um homem em ruínas, que não consegue resgatar o que perdeu. Bentinho vira um prisioneiro patológico de sua própria imaginação e memória, um "doente imaginário", parodiando Moliére."
Os minicapítulos são divididos por pequenos títulos, como no livro, e anunciados ao modo das antigas radionovelas, reforçando a ironia com que a narrativa trágica toma corpo.

Adolescência
O diretor optou por não dar tanta atenção ao grande mistério do livro. Ou seja, se Capitu traiu ou não Bentinho. Preferiu concentrar-se na fase da adolescência de ambos, quando se apaixonam e enfrentam os primeiros dilemas morais e afetivos. "Machado também faz isso e eu respeito o texto. As pessoas se acostumaram a enxergar só a traição como centro da obra."
Para ele, "Dom Casmurro" fala de várias coisas. "É uma história que acontece ainda hoje, pois trata de relações míticas, afetos familiares, amor, desejo, religião, tragédia e comédia. Embates atemporais que não foram e nem vão ser resolvidos. Machado está vivo."

Política
O diretor também ressalta a pegada política do romance. "Conta-se uma história que é também uma crítica dos costumes da elite branca do final do século 19." Para ele, os personagens funcionam como instrumento para formular a sátira.
"Bentinho é filho de uma elite decadente, dona Glória guarda o vestuário e a pompa de algo que já desapareceu, enquanto o agregado José Dias, com sua moral dúbia, revela o desgaste daqueles hábitos. E o padre Cabral é o símbolo da Igreja a quem Machado ataca."
Aí, de novo, para Carvalho, entra a pertinência de transformar o romance em ópera. "A idéia de trancafiar sujeitos de personalidades tão fortes, condenados a viver debaixo de um mesmo teto, é levá-los à destruição, a um fim trágico."

Elenco
O projeto trabalha com atores "excluídos da grande mídia". Melamed, ator de teatro, faz Bentinho. A Capitu moça, Letícia Persiles, é cantora de rock. Há apenas duas atrizes veteranas: Eliane Giardini, que faz Dona Glória, a mãe de Bentinho, e Maria Fernanda Cândido, a Capitu adulta.


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