São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

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Análise

"Capitu" é "mix" de artes bem elaborado

Nova minissérie da Globo exibe influências de Visconti e Bergman e mescla com eficiência ópera, teatro e cinema mudo

CARLOS HEITOR CONY
COLUNISTA DA FOLHA

Em princípio, sou cético em relação às obras literárias transpostas para outras linguagens, como a audiovisual do cinema, da televisão e do próprio teatro. Poderia citar trilhões de exemplos negativos. Contudo, Luiz Fernando Carvalho, em seu mais recente trabalho na TV ("Capitu"), evitou a transposição e assumiu o que eu chamaria de "posição" diante do desafio de dar imagem, som, luz e processo narrativo a "Dom Casmurro", a mais famosa obra-prima da literatura nacional.
Por acaso, sua carreira na televisão começou com um romance de Machado de Assis ("Helena") e seguiu em ritmo ascendente com outros textos importantes da nossa produção literária: "Lavoura Arcaica" e "Pedra do Reino". No caso de "Dom Casmurro", essa "posição", ao mesmo tempo em que traz o novo na abordagem de um grande clássico, traz o charme tecnicamente bem elaborado de um "mix" de várias artes autônomas, como a ópera, o teatro e o próprio romance.

Inteiro e integral
Antes de mais nada, a constatação: Machado está inteiro e integral na posição que Luiz Fernando adotou para contar a história de Bentinho e Capitu. Os diálogos são os mesmos do livro, a cronologia básica a mesma, abrindo espaço para "insights" que o próprio Machado adotava, inclusive aconselhando o leitor a pular um capítulo e passar para outro.
Evidente que o diretor admite influências, citando a de Visconti e Bergman, que são as mais explícitas nesta nova minissérie. Apesar da limitação orçamentária, abandonadas as locações de época que o romance exigia, ele partiu para uma solução própria da ópera: o palco único e bastante para situar a história desde o seu começo, a cena inicial do trem, em tom quase realista, os personagens lembrando alguma coisa de Fellini e do próprio Bergman. Mas as lembranças ficam aí.
Luiz Fernando vai em frente e coloca no "estreito espaço" de que fala Goethe toda a ventura e toda a desventura de seus personagens com seus respectivos "links". Isso só se tornou possível porque, além de dirigir, ele foi o autor do texto final do roteiro -processo que os dois cineastas acima citados também adotavam. Não usou o tratamento realista, seguindo um princípio enunciado pelo próprio Machado: "A realidade é boa, mas o realismo não serve para nada".

Debussy e rock
Ópera, teatro, romance, a minissérie tem momentos do cinema mudo na caracterização dos personagens típicos do século 19 e nas cartelas que anunciam os episódios.
A trilha musical mistura Debussy, Carlos Gomes e gente do rock -cada um em seu lugar e sua circunstância.
O elenco evitou grandes nomes e, acima de tudo, evitou a esparrela que atrai críticos e leitores: o adultério ou não de Capitu. Já foi dito que a valorização do pormenor prejudica a grandeza do romance.
Daí, certamente, a opção de Luiz Fernando em dar destaque especial à adolescência de Bentinho e Capitolina, o fantasma do seminário que afastaria os dois namorados. Não foi à toa que Machado, geralmente sem explicar nada, explica que a Capitu-mulher estava dentro da Capitu-menina, como a fruta dentro da casca.


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