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Análise
"Capitu" é "mix" de artes bem elaborado
Nova minissérie da Globo exibe influências de Visconti e Bergman e mescla com eficiência ópera, teatro e cinema mudo
CARLOS HEITOR CONY
COLUNISTA DA FOLHA
Em princípio, sou cético
em relação às obras literárias transpostas para outras linguagens, como a
audiovisual do cinema, da televisão e do próprio teatro. Poderia citar trilhões de exemplos
negativos. Contudo, Luiz Fernando Carvalho, em seu mais
recente trabalho na TV ("Capitu"), evitou a transposição e assumiu o que eu chamaria de
"posição" diante do desafio de
dar imagem, som, luz e processo narrativo a "Dom Casmurro", a mais famosa obra-prima
da literatura nacional.
Por acaso, sua carreira na televisão começou com um romance de Machado de Assis
("Helena") e seguiu em ritmo
ascendente com outros textos
importantes da nossa produção
literária: "Lavoura Arcaica" e
"Pedra do Reino". No caso de
"Dom Casmurro", essa "posição", ao mesmo tempo em que
traz o novo na abordagem de
um grande clássico, traz o charme tecnicamente bem elaborado de um "mix" de várias artes
autônomas, como a ópera, o
teatro e o próprio romance.
Inteiro e integral
Antes de mais nada, a constatação: Machado está inteiro e
integral na posição que Luiz
Fernando adotou para contar a
história de Bentinho e Capitu.
Os diálogos são os mesmos do
livro, a cronologia básica a mesma, abrindo espaço para "insights" que o próprio Machado
adotava, inclusive aconselhando o leitor a pular um capítulo e
passar para outro.
Evidente que o diretor admite influências, citando a de Visconti e Bergman, que são as
mais explícitas nesta nova minissérie. Apesar da limitação
orçamentária, abandonadas as
locações de época que o romance exigia, ele partiu para uma
solução própria da ópera: o palco único e bastante para situar
a história desde o seu começo, a
cena inicial do trem, em tom
quase realista, os personagens
lembrando alguma coisa de Fellini e do próprio Bergman. Mas
as lembranças ficam aí.
Luiz Fernando vai em frente
e coloca no "estreito espaço" de
que fala Goethe toda a ventura
e toda a desventura de seus personagens com seus respectivos
"links". Isso só se tornou possível porque, além de dirigir, ele
foi o autor do texto final do roteiro -processo que os dois cineastas acima citados também
adotavam. Não usou o tratamento realista, seguindo um
princípio enunciado pelo próprio Machado: "A realidade é
boa, mas o realismo não serve
para nada".
Debussy e rock
Ópera, teatro, romance, a minissérie tem momentos do cinema mudo na caracterização
dos personagens típicos do século 19 e nas cartelas que anunciam os episódios.
A trilha musical mistura Debussy, Carlos Gomes e gente do
rock -cada um em seu lugar e
sua circunstância.
O elenco evitou grandes nomes e, acima de tudo, evitou a
esparrela que atrai críticos e
leitores: o adultério ou não de
Capitu. Já foi dito que a valorização do pormenor prejudica a
grandeza do romance.
Daí, certamente, a opção de
Luiz Fernando em dar destaque especial à adolescência de
Bentinho e Capitolina, o fantasma do seminário que afastaria os dois namorados. Não foi à
toa que Machado, geralmente
sem explicar nada, explica que
a Capitu-mulher estava dentro
da Capitu-menina, como a fruta dentro da casca.
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