São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

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Economistas liberais reivindicam Machado

Gustavo Franco defende que escritor fez críticas ao capitalismo manco brasileiro; para Giannetti, leitura à esquerda é reducionista

DA REPORTAGEM LOCAL

Gustavo Franco encontrou recurso melhor que o gasto provérbio de que "não há almoço de graça" para defender o ideário liberal. "Para não repetir Milton Friedman sobre refeições gratuitas, vale lembrar Machado de Assis, no mesmo espírito: não se pode ir à Glória sem pagar o bonde", escreveu o economista em sua coluna na Folha.
Depois de ter sido interpretado como crítico das contradições do capitalismo, o principal escritor brasileiro vem sendo reivindicado por pensadores liberais. E quem não gostaria de ter Machado de Assis do seu lado da disputa política e ideológica? Ganha-se em autoridade e, como se viu, estilo.
É o que vem fazendo Franco desde o início do ano, quando lançou "A Economia em Machado de Assis - O Olhar Oblíquo do Acionista" (ed. Zahar), e ao longo dos meses seguintes em várias de suas colunas. Numa delas, em setembro, defendeu que o humanitismo, filosofia inventada pelo personagem Quincas Borba, fosse uma alegoria crítica do socialismo.
Ocorre que a interpretação da obra do autor fluminense que se tornou hegemônica nos círculos universitários em anos recentes defende o contrário.
Para o crítico Roberto Schwarz, maior nome dessa corrente, Machado intuiu e expressou contradições da ideologia liberal numa sociedade escravista, a do Brasil imperial.
Segundo Schwarz, ao mostrar os limites do liberalismo na "periferia" do sistema capitalista, Machado termina por revelar as contradições de seu ideário também no "centro" (sem ferir os princípios liberais nos países dependentes, os países ricos não se sustentariam) e, assim, em toda parte.
Outro economista liberal, Eduardo Giannetti, que também já escreveu sobre Machado de Assis, diz acreditar que tal leitura seja "reducionista". "O escritor se presta ao que está na leitura de Schwarz", diz, "mas é muito mais do que isso".
Giannetti diz se interessar pelo autor fluminense pelas "ressonâncias" que encontra entre sua obra e autores da tradição filosófica ocidental, como Denis Diderot, Michel de Montaigne e Arthur Schopenhauer. "Deveríamos estar tratando o escritor nesse nível, e não o estamos fazendo até hoje. Ainda falta muito para que façamos justiça à sua universalidade."

O acionista
Para seu argumento, Gustavo Franco se concentra no Brasil do Segundo Império e da primeira década republicana, período que já estudou como economista, e nas crônicas que Machado escreveu na época.
Encontra na figura do "Acionista", personagem de muitas delas, uma crítica ao capitalismo manco brasileiro, sempre amparado no Estado. Em vez de enxergar aí uma revelação sobre o sistema como um todo, vê o retrato de seus limites no país, que para Franco teria uma saída: o seu aperfeiçoamento, sua radicalização.
"O tema do acionista machadiano é o caráter, ou, melhor dizendo, a falta de caráter, ou o mau caráter do capitalismo brasileiro", escreveu Franco, em entrevista por e-mail.
"O que pode ser mais atual? Ele usa o acionista para se divertir, e nos divertir com as perversões desta "casa", onde não tem meritocracia e capitalismo, apenas hierarquias e sinecuras. É a mesma "casa" depois estudada pelo antropólogo Roberto DaMatta, mas é interessante que Machado não necessariamente nos indique a porta da "rua", seja ela o "mercado", ou a "revolução". "
Para Luís Augusto Fischer, professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, há espaço para as duas leituras -a liberal e a "crítica", à moda de Schwarz. Esta é mais sofisticada que a de Franco, diz, mas o economista tem alguma razão ao tentar puxar essa brasa para a sua sardinha.
"O Gustavo Franco é muito mais um militante político do que o Schwarz. Ele está puxando o Machado para o lado liberal. E eu acho que cabe isso. Minha sensação é a de que o Machado maduro, de fato, era um liberal à moda inglesa, e não um republicano à moda francesa. A utopia dele era uma sociedade com as instituições funcionando, com o máximo de igualdade possível", afirma. (RAFAEL CARIELLO e SYLVIA COLOMBO)


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