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Economistas liberais reivindicam Machado
Gustavo Franco defende que escritor fez críticas ao capitalismo manco brasileiro; para Giannetti, leitura à esquerda é reducionista
DA REPORTAGEM LOCAL
Gustavo Franco encontrou
recurso melhor que o gasto
provérbio de que "não há almoço de graça" para defender o
ideário liberal. "Para não repetir Milton Friedman sobre refeições gratuitas, vale lembrar
Machado de Assis, no mesmo
espírito: não se pode ir à Glória
sem pagar o bonde", escreveu o
economista em sua coluna na
Folha.
Depois de ter sido interpretado como crítico das contradições do capitalismo, o principal
escritor brasileiro vem sendo
reivindicado por pensadores liberais. E quem não gostaria de
ter Machado de Assis do seu lado da disputa política e ideológica? Ganha-se em autoridade
e, como se viu, estilo.
É o que vem fazendo Franco
desde o início do ano, quando
lançou "A Economia em Machado de Assis - O Olhar Oblíquo do Acionista" (ed. Zahar), e
ao longo dos meses seguintes
em várias de suas colunas. Numa delas, em setembro, defendeu que o humanitismo, filosofia inventada pelo personagem
Quincas Borba, fosse uma alegoria crítica do socialismo.
Ocorre que a interpretação
da obra do autor fluminense
que se tornou hegemônica nos
círculos universitários em anos
recentes defende o contrário.
Para o crítico Roberto
Schwarz, maior nome dessa
corrente, Machado intuiu e expressou contradições da ideologia liberal numa sociedade
escravista, a do Brasil imperial.
Segundo Schwarz, ao mostrar os limites do liberalismo na
"periferia" do sistema capitalista, Machado termina por revelar as contradições de seu
ideário também no "centro"
(sem ferir os princípios liberais
nos países dependentes, os países ricos não se sustentariam)
e, assim, em toda parte.
Outro economista liberal,
Eduardo Giannetti, que também já escreveu sobre Machado de Assis, diz acreditar que tal
leitura seja "reducionista". "O
escritor se presta ao que está na
leitura de Schwarz", diz, "mas é
muito mais do que isso".
Giannetti diz se interessar
pelo autor fluminense pelas
"ressonâncias" que encontra
entre sua obra e autores da tradição filosófica ocidental, como
Denis Diderot, Michel de Montaigne e Arthur Schopenhauer.
"Deveríamos estar tratando o
escritor nesse nível, e não o estamos fazendo até hoje. Ainda
falta muito para que façamos
justiça à sua universalidade."
O acionista
Para seu argumento, Gustavo
Franco se concentra no Brasil
do Segundo Império e da primeira década republicana, período que já estudou como economista, e nas crônicas que
Machado escreveu na época.
Encontra na figura do "Acionista", personagem de muitas
delas, uma crítica ao capitalismo manco brasileiro, sempre
amparado no Estado. Em vez
de enxergar aí uma revelação
sobre o sistema como um todo,
vê o retrato de seus limites no
país, que para Franco teria uma
saída: o seu aperfeiçoamento,
sua radicalização.
"O tema do acionista machadiano é o caráter, ou, melhor dizendo, a falta de caráter, ou o
mau caráter do capitalismo
brasileiro", escreveu Franco,
em entrevista por e-mail.
"O que pode ser mais atual?
Ele usa o acionista para se divertir, e nos divertir com as
perversões desta "casa", onde
não tem meritocracia e capitalismo, apenas hierarquias e sinecuras. É a mesma "casa" depois estudada pelo antropólogo
Roberto DaMatta, mas é interessante que Machado não necessariamente nos indique a
porta da "rua", seja ela o "mercado", ou a "revolução". "
Para Luís Augusto Fischer,
professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, há espaço para as
duas leituras -a liberal e a "crítica", à moda de Schwarz. Esta é
mais sofisticada que a de Franco, diz, mas o economista tem
alguma razão ao tentar puxar
essa brasa para a sua sardinha.
"O Gustavo Franco é muito
mais um militante político do
que o Schwarz. Ele está puxando o Machado para o lado liberal. E eu acho que cabe isso. Minha sensação é a de que o Machado maduro, de fato, era um
liberal à moda inglesa, e não um
republicano à moda francesa. A
utopia dele era uma sociedade
com as instituições funcionando, com o máximo de igualdade
possível", afirma.
(RAFAEL CARIELLO e SYLVIA COLOMBO)
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