São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Em "Snuff", Palahniuk despeja detalhes de celebridades da indústria pornô

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com "Snuff", Chuck Palahniuk concebeu o enredo ideal para Quentin Tarantino realizar seu acalentado filme pornô em 3D, temperando com pitadas de enigma policial seu característico relato de tipo "wikipedista", no qual personagens -por mais estúpidos que aparentem ser- têm os rabos plugados em enciclopédias on-line.
E, como sabem das coisas, esses subalternos de Palahniuk são ao mesmo tempo iluministas e eletricistas, além de verdadeiras sumidades da baixaria.
O metralhar de informações que os distintos narradores de "Snuff" despejam é relacionado a duas coisas: 1) à cultura do pornô; 2) à mitologia trágica do cinema que explora a dramaturgia de ascensão e queda de atores célebres e desconhecidos.
Desde "Clube da Luta", livro/filme que o celebrizou, Palahniuk compõe suas histórias com sólido estilo afanado de Kurt Vonnegut, assim exemplificado: a) domínio total de orações subordinadas e ausência quase completa de frases coordenadas; b) prosa direta potencializada por coros repetitivos. E coloque repetitivo nisso: como no clássico "Matadouro 5", de Vonnegut, cujo narrador a todo tempo justifica fatalidades ao reafirmá-las como "coisas da vida", a Sheila de "Snuff" deslinda a realidade por meio da floresta de exemplos que extrai de vidas desgraçadas dos artistas das telonas. "Fato real", ela repete e repete.
Cassie Wright, divina dama dos filmes pornográficos, quer bater o recorde mundial de trepadas ao vivo.
Com produção de Sheila, arregimenta 600 candidatos.
Entre tais valentes, estão o sr. 72, um garoto virgem que suspeita ser filho bastardo da atriz, o sr. 137, um ator canastrão e gay em busca de redenção no fundo do pote de Viagra, e o sr. 600, Branch Bacardi, astro do sexo explícito em fim de carreira.
Enquanto abundam detalhes em extremo close-up, acontece um assassinato.
De fundo moral e satírico, os romances de Palahniuk são diversão bastante séria.
A cultura popular surge como consumo e representação do fracasso.
Em "Clube da Luta", o alvo era a indústria cosmética e a máquina corporativa trituradora de identidades. Aqui, a vida secreta das pessoas surge à tona como num vídeo HD, tão definido a ponto de revelar o indevido.
Todavia, afirma Sheila, "tanto no caso de astros machões que se revelam bichas, como no de atores de filmes mudos cujas vozes parecem horríveis quando gravadas, o público só quer uma quantidade limitada de honestidade". Fato real.


JOCA REINERS TERRON é autor, entre outros, de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia das Letras)

SNUFF
AUTOR Chuck Palahniuk
TRADUÇÃO Paulo Reis
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 32 (208 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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