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ROBERT BRESSON (1901- 1999)
O cineasta que odiava o cinema
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Robert Bresson chamava sua arte de "cinematógrafo", para deixar bem claro tudo o que o separava do cinema.
Cinema para ele era o odiável
reino do faz-de-conta, a imitação
do teatro, o lugar em que o falso e
o verdadeiro se misturavam (e
dessa mistura resultava o falso,
segundo ele).
Por isso mesmo, quando vemos
um filme de Bresson, temos a impressão de entrar mesmo em um
outro mundo. Seus filmes nunca
têm música para reforçar a emoção. A única "música" que admitia eram os ruídos.
Raramente movimentos de câmera acompanham a ação (no
fim da carreira chegou a recusar
até mesmo a correção dos enquadramentos). Seus atores (chamava-os de modelos, seres que modelava, que inventava "tais como
são") foram quase sempre amadores, para evitar o contágio do
trabalho "técnico".
Que isso não se confunda com
primado do amadorismo ou da
falta de técnica. Seu rigor era famoso. Quando filmava "Le Diable
Probablement", nos anos 70, rodou mais de 70 vezes o primeiro
plano de uma porta se abrindo.
Não se via nenhum personagem
em cena. Mas Bresson exigia um
determinado movimento, uma
velocidade exata.
Não era diferente no trabalho
com atores (ou "modelos"). Seu
método exaustivo levou a imensa
maioria dos jovens que trabalharam com ele a nunca mais visitar
um "set" de filmagem, após fazer
trabalhos memoráveis. Também
não é de espantar que considerasse a dublagem barbárie pura e
simples, que criava "vozes sem
realidade, não conformes ao movimento dos lábios".
Fundamentalismo
Esse fundamentalismo cinematográfico que o condenou quase
naturalmente à pouca popularidade está ligado ao fundamentalismo católico francês, herdeiro
do jansenismo do século 17. Daí
sua identidade com o romancista
Georges Bernanos. Daí também o
estilo seco, isento de efeitos, de
qualquer tipo de enfeite.
Qual a obra-prima de Bresson?
Pergunta difícil de responder.
Nos anos 40, dirige "As Damas do
Bois de Bologne" (1944-45), com
Maria Casarès, talvez seu filme
mais vistoso.
Nos anos 50, as preferências dividem-se entre "Um Condenado
à Morte Escapou" (1956) e "Pickpocket" (1959). Nos 60, "O Processo de Joana d'Arc" (1962), "Au
Hasard Balthazar" (1966) e
"Mouchette, a Virgem Possuída"
(1967) se destacam. Nos 70, "Lancelot du Lac" (1974) e "Le Diable
Probablement" (1977). Por fim,
nos 80, encerra a carreira magnificamente com "L'Argent" ("O Dinheiro").
Seus 13 longas-metragens compõem um bloco sólido que, se
poucas vezes atingiu um público
maior, fizeram de Bresson um
dos cineastas mais influentes e
mais respeitados da segunda metade do século 20.
Desdramatização e despojamento, pobreza de estilo arduamente construída, ascetismo e
austeridade: não faltam palavras
para definir o estilo inimitável de
Robert Bresson.
Nenhuma delas, porém, consegue dar conta de sua aventura
pessoal, que talvez tenha consistido em procurar a verdade dos
sentidos por meio dos sentidos e
descrever um mundo habitado
por seres a quem Deus abandonou à própria sorte. Bresson foi,
ao mesmo tempo, o cineasta do
sublime e da fragilidade do homem.
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