São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

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Música - Crítica/"Renato Russo - Entrevistas"

Russo explica seu mundo em DVD

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para quem não gosta de Renato Russo, ver mais de 140 minutos quase ininterruptos de seu discurso atormentado e cheio de pose -e com os usuais chiliques- pode soar como dolorosa tortura. Mas mesmo esses terão razões para ver "Renato Russo -Entrevistas", DVD com três conversas gravadas pela MTV entre 1993 e 1994. Parte do material já havia sido exibida na programação da emissora, mas as entrevistas nunca tinham sido transmitidas na íntegra.
O registro traz Russo (1960-1996) comentando -de modo ao mesmo tempo lúcido e vertiginoso- vários aspectos da transformação da cultura popular que se viu no Brasil na virada dos 80 para os 90, do qual ele e a Legião Urbana foram um dos protagonistas.
A redemocratização do país, uma certa abertura moral da sociedade -que permitia que os gays saíssem do escuro- e a disseminação do punk entre os jovens de classe média foram as molas propulsoras que tanto fizeram possível o surgimento da Legião -e de outras bandas daquele conhecido "boom"-, como propiciaram sua imediata aceitação pelo público jovem.
Renato e seus amigos tocaram o coração de meninos e meninas que nasceram sob a ditadura e para quem as utopias que haviam motivado as gerações anteriores já não faziam mais sentido.
Perguntado sobre porque fazia letras tão tristes quando o assunto era o Brasil, Russo disse, em 1994: "Esses anos que passaram para mim foram um grande velório do Ayrton Senna. Primeiro vem o Tancredo, aí a gente teve esperança... aí o Tancredo morre. Depois as eleições. Aí: "tudo bem, é o Collor, mas quem sabe...", e depois deu no que deu. Não dava pras músicas não refletirem isso."
Vestindo camisas leves, fumando e gesticulando, Russo conta como seus vários namorados tinham substituído um grande amor frustrado que o traumatizara para sempre.
Na entrevista concedida em março de 1994, há poucos dias do suicídio de Kurt Cobain, faz um comentário premonitório.
Começa dizendo que parou de beber e que está se cuidando, pois "tenho 34 anos e não quero ser um mártir do rock". A repórter, então, pergunta sobre Cobain, e ele diz: "Esse vai embora rapidinho". E acrescenta que já havia superado uma dor igual a que acreditava que o líder do Nirvana estava sentindo.
Cuidadoso ao falar de cada faixa, reclama do fato de as pessoas não entenderem o peso dramático de sua poesia. "O "Descobrimento do Brasil" é um disco sobre perda, todas as músicas são sobre despedida", mas ninguém nunca comentou isso", diz. "E "Pais e Filhos", por exemplo, é sobre suicídio, mas as pessoas não percebem, e acham bonito. Pô, precisa explicar? A letra é: "Ela se jogou da janela do quinto andar, nada é fácil de entender..."."
Para quem ainda busca significados sobre o que Russo escreveu ou simplesmente quer matar saudades e dividir com ele suas angústias, esses 140 minutos são, na verdade, um belo presente.


RENATO RUSSO - ENTREVISTAS     
Artista: Renato Russo
Lançamento: MTV
Preço: R$ 32


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