São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

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Cinema - Crítica/"A Promessa"

Diretor abusa de exotismo e segue linha de propaganda política da "nova China"

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Ao lado de Zhang Yimou, Chen Kaige é um dos mais bem-sucedidos diretores da "quinta geração" do cinema chinês -o primeiro grupo que saiu da Escola de Cinema de Pequim depois do fim da Revolução Cultural e que foi mundialmente reconhecido a partir do fim dos anos 80.
No início de suas carreiras, tanto Kaige (Palma de Ouro em Cannes em 1993, por "Adeus Minha Concubina") como Yimou (Leão de Prata em Veneza em 1991, por "Lanternas Vermelhas") enfrentaram sérios problemas com a censura chinesa. Detalhe que só reforça a imensa ironia de ver o tipo de cinema que eles produzem hoje, assumidamente oficialesco, porta-voz da "nova China".
"A Promessa" é a primeira incursão de Kaige nessa seara, seguindo a mesma linha de dois sucessos assinados por Yimou: "Herói" (2002) e "O Clã das Adagas Voadoras" (2004).
De certa forma, Kaige não decepcionou. Foi capaz de entregar um genuíno filme-exportação, que pinta uma China exótica, grandiosa, romântica e heróica. Uma China de sonho, radicalmente distante do país como ele é hoje, e distante, também, de suas primeiras obras.
O filme acompanha a história de uma menina que pede a uma deusa para não mais passar fome. Pela promessa, em troca de beleza e poder, ela jamais terá os homens que ama. A menina se torna uma princesa, cobiçada por três pretendentes.
Nesse aspecto específico -o sonho- habita o encanto e o problema desses filmes. Aos poucos, a poesia que dava o tom em "O Tigre e o Dragão" foi sendo substituída por uma série de clichês reiterados, mais alinhados ao esforço de construir uma fantasia espetacular do que à genuína necessidade artística de seus diretores.
Esse cinema entra em imenso contraste com uma forma bem menos colorida de se filmar a nova China, que pode ser vista, por exemplo, na obra de Jia Zhang-ke ("Plataforma" e o premiado "Still Life").
Não se trata aqui de negar a possibilidade do sonho, mas de questionar o tipo de sonho que está sendo fabricado. Em Kaige, ele é um puro simulacro de sutil fundo político, engrandecedor de determinada China e da forma como ela quer se apresentar ao mundo. Zhang-ke, aliás, se dá direito ao sonho e à poesia, mas em outros termos.
A aura "artística" que pesa tanto em "Herói" e "O Clã...", recheados de monumental beleza plástica -e exaustivos justamente por isso- dá lugar, em "A Promessa", a uma pinta carnavalesca. Kaige orquestra de forma capenga as lutas aéreas de "O Tigre...", as flechas viajantes de "Herói" e as pétalas de "O Clã...", incluindo as penas de um figurino ultraexótico.
"A Promessa" é mais um passo na diluição de um gênero, um filme que se limita a repetir fórmulas de sucesso sem encontrar, nessa repetição, a possibilidade da diferença.


A PROMESSA  
Direção: Chen Kaige
Produção: China/Hong Kong/Japão/Coréia do Sul, 2005
Com: Jang Dong-kun, Hiroyuki Sanada, Cecilia Cheung
Quando: em cartaz nos cines Bristol, Espaço Unibanco e circuito


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