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Trio de diretores "encarna" Beckett
Inspirados por temas recorrentes do irlandês, Gerald Thomas, Gabriel Villela e Rubens Rusche fazem peça imaginária
OS DIRETORES convidados pela Folha para
coassinar uma peça que retomasse
questões centrais do teatro beckettiano
têm intimidade com o universo do dramaturgo. Gerald Thomas adaptou a prosa do irlandês em espetáculos como "All Strange Away" e "Ill
Seen Ill Said", na Nova York dos anos 80. Também
dirigiu montagens de "Esperando Godot" e "Fim de
Jogo", além de conhecer Beckett em Paris, nos anos
80. Gabriel Villela comandou em 2006 uma encenação de "Esperando Godot". Já Rubens Rusche fez
"Katastrophè" (1986), "Fim de Jogo" (1996) e "Crepúsculo" (2007), entre outros.
(LUCAS NEVES)
DENMARK IMPROMPTU
Uma peça imaginária
CENA 1
Por Gerald Thomas
(A e B, dois filósofos "verdes",
irlandeses, sentados numa conferência mundial, dispostos a
salvar o mundo. Líderes mundiais discursam inutilidades. O
diálogo abaixo acontece enquanto Tony Blair justifica,
sorrindo, sua "invasão" do Iraque, com ou sem "weapons of
mass destruction".
A- A imaginação não dava
quando dava, quilos de queijo,
quilos de porcos, quilos de
manteiga, e eu caminhava e
rastejava uns bons bocejos
quando....
(B bate mão na mesa, interrompe)
B- Quando uma face na multidão surgiu e deu-lhe um Berluscão na boca e no nariz.
A- Sangrou?
B- Pouco.
A- Hmm.
A- Não o quanto deveria.
B- Hmmm.
A- Deveria ter escorrido rios.
Já que Lindsay Kemp, na Toscana dos céus divinos, via atentamente, sentado, meditando
sobre a palavra ausente... a
mente ausente e o gesto presente... Berluscar! O ato de Berluscar. Mão direita no nariz e
na boca PUM, e PIM e PAM, e a
"g-o-t-a" de s-a-n-g-u-e!
B- Nada sabem sobre o balé
das gerações ou sobre o triste
fim das interpretações do fim
ou o FIM.
A- Nada sabem de mais nada.
Agora só sabem de tudo.
B- O chocolate derretendo
aqui em Copenhague dois centímetros a cada década.
A- Para ser preciso, dois centímetros e três milímetros de
chocolate derretendo a cada
década em Copenhague, digo,
as barras do mundo e a supremacia dos países e a imaginação morta imaginando-se capaz de incubar icebergs, e cubos imaginando-se ao quadrado.
B- Em Fermanagh, até ainda...
A- Chocolate?
B- Sim, mas rouba-se da Páscoa até o Natal, quando nasci/
morri e me imaginei na faixa de
pedestre em Hampstead, onde
o Alan foi morto por um ciclista. Cinza esse dia.
A- Foxrock nada tem e nada
foi, a não ser a mão de meu pai,
mesmo que o...
B- ...O "socoBerlusco" faça
com que Pozzo segure a corda
de todos os escravos do mundo.
A- "Taramosalata" que foi só
o que os gregos nos deram e foi
somente isso mesmo, somente
só, nesse mundo só, onde somente estamos sós, uma breve
passagem só, passando pelos
hema-Thomas e outras feridas
e furúnculos da pus ao pós, até
o fim, só.
A- Aquela alemã hoje não sabe mais distinguir o pão de um
tijolo ou tijolo da areia, ou a
areia de um montinho de terra.
Cinza.
B- Nada como ver essa tragédia de derretimento como a camada de choco-ozônio de CO2.
Caminhando como estamos,
sós, rastejando como vamos,
iremos para o Dante escuro,
nenhuma luz, nenhuma única
luz, nem em diâmetro, nem em
largura, somente a espessura
do soco Berlusco poderá nos dizer no futuro o quão grotesco
fomos aqui neste, durante este...
A- (bate, interrompe)
CENA 2
Por Gabriel Villela
(A e B agora juntam-se a C, D,
E, F, G, H, I e J. Observam a entrada do Sr. KdeKing. Ele representa a entidade CongoOng.
Coloca uma caixa de ébano sobre a mesa. Os conferencistas
observam. De dentro dela, da
caixa preta, e embrulhadas em
papel de seda, destes que embrulham maçãs, saem duas
mãos de gorila, que iniciam uma
percussão. Ponto de Iansã.)
Cai a luz.
A videoconferência
No telão gigante, imagens ao
vivo de um gorila agonizante
amarrado a uma maca da Cruz
Vermelha (close em seus olhos
lacrimosos, depois somente a
imagem de sua boca). Nota-se
que faltam-lhe alguns dentes.
Ele fala muito baixo, com dificuldade respiratória. De vez
em quando, ele tenta erguer os
braços de onde foram decepadas suas mãos.
Gorila (sussurrando)-IKÚUUUUUUUUUUUUUU-UUUUUUUUUUUUUUUUU-UUUUUUUUUUUUUUUUUU-
urrrrrrrmahhhh,rooooouhuuuuummmurrrrrrrrr-
rrrrrrrrrrrimahhhhharrrrrrkrafuuuuurhrrrrrrhuuuuuuu-
uuAiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiqhee-doorrrrrrr!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!ahahahahaahaha-
hahaahahahahahahahah,uhrhuruhrrhurmm-
mmmmmmmOLOROGUMOGUMO GUMMMMMMMM
Tradutora cor de rosa- Ele
está dizendo que dói muito e
pergunta se alguém aqui tem
morfina para lhe dar. (quebrando a educação e gritando
com as mãos do gorila) Dá pra
parar um pouco? (as mãos continuam o ponto de Iansã. Homens verdes, involuntariamente, começam uma percussão com a boca, batendo e rangendo os dentes)
A morte do gorila
Gorila (fazendo termo)-ARÚMMMMMMMMMMMM-MARÚMMMMMMMMMM-MMMARÚMMMM MMMM-MMMMM-YEWÁ!!!!!!!vmphlufannnnnnhhhhhhhhhhhhrossssss,
ahhhhahhhhhhhaaiahhhhahahahahhhohrrohoooooohhhhorrrrrrrooo
-ô-ooodooor!!!!!!!!!!!!!!.Uuuuu!
Tradutora (em voz já mais
controlada)- Senhor macaco,
de acordo com as regras da
conferência, o senhor tem mais
28 segundos para encerrar seu
discurso. (atacada do sistema
nervoso, ela berra) Alguém aí
da organização pode controlar
estas patas?! CARRRRALHO!!!!!!!
(o gorila agora tampa os
olhos com seus braços cortados, abre a boca, tenta pronunciar um nome... um silêncio de
morte)
Gorila-Ikúúú..................
...................................
Hans Christian...an-an-nder-sen! (morre)
(O par de mãos aplaude freneticamente durante os sete
segundos restantes. Muita luz
sobre os homens verdes.)
CENA 3
Por Rubens Rusche
(Forte explosão. Escuridão.
Longuíssima pausa. Silêncio
absoluto. Gradualmente, a luz
retorna, mas muito fraca. Poeira e ruínas. Tudo cinza. Ninguém. Longa pausa. Voz em
"off" de um homem muito velho, moribundo. Ritmo sempre
lento, voz muito baixa, no limite do inaudível.)
Voz
Loucura.
(Pausa)
Tudo isso.
(Pausa)
Loucura.
(Pausa)
Tudo isso aqui.
(Pausa)
Ter visto tudo isso aqui.
(Pausa)
E ouvido.
(Pausa)
Ter ouvido tudo isso aqui.
(Pausa)
Loucura.
(Pausa)
Visto, não. Entrevisto. Toda
essa loucura. Mal visto e mal
ouvido.
(Longa pausa)
Tudo acabado agora.
(Pausa)
Explodido.
(Pausa)
Só restaram ruínas.
(Pausa)
Cinzas.
(Pausa)
Mas o sol -
(Pausa)
Não tendo outra alternativa,
o sol brilhou sobre o nada de
novo.
(Longa pausa)
Loucura.
(Aos poucos, nas ruínas e no
meio da poeira, surge um crânio. Gradualmente, a luz vai se
extinguindo, até restar apenas
um foco no crânio. Longa pausa. Silêncio. Foco se extinguindo ao som de uma longa expiração. Cinco segundos. Escuridão
e silêncio absolutos.)
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