São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

"Malhação" caricaturiza universo jovem

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Os roteiristas das novelonas deveriam olhar com atenção para "Malhação". Não que ela seja ótima. Não é. É chatinha, cheia de atores sofríveis, com humor infantilóide etc. É superficial como um filme plástico -cheia de adolescentes com dramas, mas sem conflitos reais, e adultos infantilizados, e solene como uma aula de educação sexual- ao abordar os assuntos, uhn, sérios, o tom pedagógico, normatizador, predomina.
Mas "Malhação" descobriu um formato entre a novela e a sitcom que talvez consiga apontar para uma renovação do gênero. Mais ágil e ligeira (aqui, no melhor sentido), há, como nas novelas, tramas que se alongam no tempo, mas seu ciclo é mais curto. À maneira das sitcoms, de- senrola-se a partir das variações de uma mesma situação, o que confere previsibilidade nas histórias e fidelidade do espectador.
"Malhação", em suma, conseguiu incorporar algo das narrativas mais contemporâneas, mais rápidas e que exigem menos concentração e comprometimento sentimental do cinema e da TV globalizados sem perder de vista gosto pelo melodrama que perdura no telespectador brasileiro e encontrou uma forma na novela. Além disso, encontrou uma maneira de baixar o tom da novela para transformá-la mais adequada ao gosto adolescente médio.
Agora, o que é realmente um espanto é a incapacidade de construir personagens e tipos que não sejam caricatos. Os jovens de "Malhação", assim como os que costumam habitar as novelas, não existem nas ruas, nos shoppings, nas escolas, nas academias -nem mesmo os da Barra da Tijuca. Claro, é obra de ficção, e não há obrigação de haver uma correspondência unívoca com a verossimilhança, mas é mais que isso. É quase um atavismo das novelas e minisséries, sobretudo da Globo, caricaturizar o comportamento, as falas e as maneiras do universo jovem.
Não dá para entender o motivo: há dinheiro, há onde pesquisar e gente que entende, de verdade, disso. A prova são as minisséries, que caracterizam com eficiência qualquer lugar e época que o roteiro exigir. Mas, quando se trata de jovens, a tentação de exagerar, distorcer e ridicularizar atitudes e códigos de vestimenta e de fala parece ser irresistível. Não há, como já houve em "Ciranda, Cirandinha" ou "Armação Ilimitada", ou mesmo nas minisséries de Gilberto Braga sobre os anos 50 e 60, a tentativa de observar o universo jovem e dele se aproximar.
Ao contrário das séries americanas, cujo esforço para captar as modas e manias jovens é notável, a produção brasileira de ficção, embora consiga falar a adolescentes, não consegue falar deles. Ou seja, sabe fazer funcionar uma história para jovens, mas não sabe ir buscar e ficcionalizar as histórias protagonizadas por jovens reais. As exceções mais recentes podem ter sido "Cidade dos Homens" e uma certa fase de "Turma do Gueto", mas é pouco perto do poderio e da fascinação dos seriados americanos.


Texto Anterior: 18ª SP Fashion Week: Tudo o que você sempre quis saber sobre moda
Próximo Texto: Novelas da semana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.