São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2007

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Crítica/artes plásticas/"AcordaLice"

Dora Longo explora o mundo das charadas

JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

James Joyce e David Lynch são um estado (alterado) de espírito na exposição "AcordaLice", da artista Dora Longo Bahia, em cartaz na galeria Luisa Strina. Imagine o cenário: uma banda punk que decidisse musicar trechos de livros de Joyce; a língua ininteligível do anão de "Twin Peaks" se transmutando em uma passagem de "Ulisses", traduzida para o português, lida por um estrangeiro, e balanços com inscrições de "Finnegans Wake" gravadas de trás para frente nos assentos.
Esse universo de charadas e distúrbios é onde a obra de Longo Bahia se aconchega confortavelmente, como a "ALice P." que dá título ao vídeo exibido na entrada da galeria, uma jovem vestida de coelhinha que dorme sobre pelúcia branca. Mais conhecida pelo trabalho em pintura, apesar de utilizar os mais diferentes suportes e linguagens, a artista optou desta vez por realizar uma exposição sem pinturas. Entretanto, considerando a liberdade com que ela atua no meio pictórico, tratado como a "discussão de um campo bidimensional", os vídeos e instalações na galeria podem ser vistos também como expansão dessa linguagem. Afinal, eles mobilizam, como as pinturas e fotografias da artista, um sem-número de referências manipuladas por meio de uma estratégia de colagem pós-moderna.

"Bad painting, bad video"
São Paulo não viu uma etapa importante da trajetória de Longo Bahia: uma série de pinturas exposta no CCBB do Rio, na mostra "Escalpo Carioca e Outras Canções", em 2006, sobre "suportes mais violentos" do que a tela, como papelão e compensado de madeira.
A série ajuda na compreensão da mostra atual: são "bad paintings" (a expressão designa obras que repudiam padrões e normas, ou seja, que são antítese de qualquer cânone da pintura) que questionam a fetichização do objeto. Também na série de vídeos "Marcelo do Campo (1969-1975)", trabalho que pode ser visto no Itaú Cultural e na Oca, a artista põe em xeque o fetiche da autoria.
Se por um lado parece faltar no principal vídeo exposto, "Finnis Regis/Regis Finnis", uma maior complexidade narrativa, por outro o vídeo pode ser encarado como uma atitude punk semelhante à da banda em que a vocalista vestida de Alice grita frases de Joyce: trata-se de um "bad video".
As aventuras de Alice Pulcrabella (junção dos nomes das personagens de Lewis Caroll e de Joyce) não se restringem ao espaço da galeria, estão diluídas no mundo; experimente pesquisar o usuário "pulcrabella" no YouTube. Ali estão reunidas várias charadas para desvendar, como o filme "Lost Story", de Ornella Castelli di Sabbia, remixado por DLB e Priscila Farias. A artista realizou seu "Lost Highway".
Voltando à exposição, na audio-instalação "Ulisses em Wallenton", apresentada no último piso, o visitante entra em uma dimensão lynchiana pura, que vale a visita.


ACORDALICE
   

Onde: Luisa Strina (r. Oscar Freire, 502, tel. 3088-2471) Quando: de seg. a sex.: 10h às 19h; sáb.: 10h às 17h; até 27/1 Quanto: entrada franca



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