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LIVROS
Crítica/ "Memórias da Sauna Finlandesa"
Vibração narcísica não ajuda banalidades de novo Mirisola
Escritor reúne contos e crônicas que têm como cenário um subúrbio carioca
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Memórias da Sauna Finlandesa",
de Marcelo Mirisola, reúne contos e crônicas
cujo narrador em primeira pessoa mantém o caráter vituperante de seus outros livros. O
cenário, que já foi Florianópolis
e a praça Roosevelt, agora é
Grajaú, subúrbio carioca. Os
seus alvos ainda são os signos
das classes baixa e média emergentes, por vezes associados às
memórias infantojuvenis dos
anos 70, e os da afetação cultural, ligados ao presente do narrador-escritor.
Exemplos do primeiro caso
são donas de casa evangélicas,
"jagunços" da São Silvestre, Família Lima, Bruno & Marrone,
Gugu, Faustão, bailes de debutante, Roberto Carlos, pet
shops, Vera Loyola, novelas do
Manoel Carlos, squash, Chico
Buarque, ginástica. Para abreviar o inventário idiossincrático, nunca sutil, basta a frase: "A
loja era frequentada por socialites, apresentadoras de televisão, gente de bem interessada
em projetos sociais, negros e
negras globais, jogadores de futebol e os filhos da estirpe mais
nobre da nossa MPB".
Entre os índices da burguesia
ilustrada, também acusados
pelo narrador invocado, estão
Casa do Saber, cafezinho da Livraria Cultura, direitos humanos, minorias, correção política, acampamentos do MST,
ONG, pós-graduandos de
USP/Unicamp e sushi -este
tomado como síntese do pior
dos dois mundos, uma vez que
parece servir tanto de índice de
sucesso financeiro como de sofisticação cultural. A personificá-lo, Mirisola cria a figura do
"japonesinho cultural", um tumor invencível.
Afora o humor tosco, o narrador oferece como antídoto às
afetações a exposição de suas
carências. Na paráfrase de
"Pai", de Fábio Jr., ele se despe
da ferocidade e revela uma face
confessional e meditabunda:
"(...) se há algo nessa história
que prova que, apesar da distância entre uma pessoa e outra, o amor existe, e que não é o
tempo que voa, bem, esse "algo"
é a busca obstinada pelo encontro (ou pela paz); daí o desejo
ou a súplica de que em algum
instante -tanto faz se for pai
ou filho ou a mulher amada-
alguém venha a renascer (...)".
Coração sensível
As crônicas cariocas acionam, pois, a tópica western de
"Os Brutos Também Amam": "O
problema é que não sou mais
nenhum moleque, e continuo o
mesmo romântico incorrigível;
ou seja, tenho saudades de mim
mesmo e não sei se vou aguentar uma nova solidão aqui no
Rio de Janeiro. A gente não devia nascer de novo tantas vezes,
e tantas vezes ser assassinado
pelas coisas que mais amamos".
Esse "nós" generalizante e sentencioso considera que o "romântico" deve deixar partir o
amor, tão logo o encontre. A
melhor literatura, acredita, é a
do fracasso.
Abrir o coração sensível do
narrador sarcástico, porém,
não resolve a literatura de Marcelo Mirisola.
A vibração narcísica não é
salvaguarda contra o banal, assim como o estereótipo não é
exclusividade das vitrines dos
shoppings, das telas de TV ou
da mediocridade universitária.
Antes, está alojado na memória mais sentida e no mais sincero anti-intelectualismo. A
subjetividade, enfim, é apenas
outro artigo no mundo ordinário de consumo e exibição.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
MEMÓRIAS DA SAUNA FINLANDESA
Autor: Marcelo Mirisola
Editora: 34
Quanto: R$ 28 (176 págs.)
Avaliação: regular
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