São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010

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LIVROS

Crítica/ "Memórias da Sauna Finlandesa"

Vibração narcísica não ajuda banalidades de novo Mirisola

Escritor reúne contos e crônicas que têm como cenário um subúrbio carioca

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Memórias da Sauna Finlandesa", de Marcelo Mirisola, reúne contos e crônicas cujo narrador em primeira pessoa mantém o caráter vituperante de seus outros livros. O cenário, que já foi Florianópolis e a praça Roosevelt, agora é Grajaú, subúrbio carioca. Os seus alvos ainda são os signos das classes baixa e média emergentes, por vezes associados às memórias infantojuvenis dos anos 70, e os da afetação cultural, ligados ao presente do narrador-escritor.
Exemplos do primeiro caso são donas de casa evangélicas, "jagunços" da São Silvestre, Família Lima, Bruno & Marrone, Gugu, Faustão, bailes de debutante, Roberto Carlos, pet shops, Vera Loyola, novelas do Manoel Carlos, squash, Chico Buarque, ginástica. Para abreviar o inventário idiossincrático, nunca sutil, basta a frase: "A loja era frequentada por socialites, apresentadoras de televisão, gente de bem interessada em projetos sociais, negros e negras globais, jogadores de futebol e os filhos da estirpe mais nobre da nossa MPB".
Entre os índices da burguesia ilustrada, também acusados pelo narrador invocado, estão Casa do Saber, cafezinho da Livraria Cultura, direitos humanos, minorias, correção política, acampamentos do MST, ONG, pós-graduandos de USP/Unicamp e sushi -este tomado como síntese do pior dos dois mundos, uma vez que parece servir tanto de índice de sucesso financeiro como de sofisticação cultural. A personificá-lo, Mirisola cria a figura do "japonesinho cultural", um tumor invencível.
Afora o humor tosco, o narrador oferece como antídoto às afetações a exposição de suas carências. Na paráfrase de "Pai", de Fábio Jr., ele se despe da ferocidade e revela uma face confessional e meditabunda: "(...) se há algo nessa história que prova que, apesar da distância entre uma pessoa e outra, o amor existe, e que não é o tempo que voa, bem, esse "algo" é a busca obstinada pelo encontro (ou pela paz); daí o desejo ou a súplica de que em algum instante -tanto faz se for pai ou filho ou a mulher amada- alguém venha a renascer (...)".

Coração sensível
As crônicas cariocas acionam, pois, a tópica western de "Os Brutos Também Amam": "O problema é que não sou mais nenhum moleque, e continuo o mesmo romântico incorrigível; ou seja, tenho saudades de mim mesmo e não sei se vou aguentar uma nova solidão aqui no Rio de Janeiro. A gente não devia nascer de novo tantas vezes, e tantas vezes ser assassinado pelas coisas que mais amamos".
Esse "nós" generalizante e sentencioso considera que o "romântico" deve deixar partir o amor, tão logo o encontre. A melhor literatura, acredita, é a do fracasso.
Abrir o coração sensível do narrador sarcástico, porém, não resolve a literatura de Marcelo Mirisola. A vibração narcísica não é salvaguarda contra o banal, assim como o estereótipo não é exclusividade das vitrines dos shoppings, das telas de TV ou da mediocridade universitária.
Antes, está alojado na memória mais sentida e no mais sincero anti-intelectualismo. A subjetividade, enfim, é apenas outro artigo no mundo ordinário de consumo e exibição.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


MEMÓRIAS DA SAUNA FINLANDESA

Autor: Marcelo Mirisola
Editora: 34
Quanto: R$ 28 (176 págs.)
Avaliação: regular




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