São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

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MÚSICA

Série com 20 CDs reúne todas as gravações conhecidas do instrumentista

CDs revêem guitarra de Reinhardt

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando Django Reinhardt morreu, em 1953, o que hoje conhecemos como jazz moderno estava apenas começando. Irônico que Django tenha sido, provavelmente, o mais moderno músico a tirar sons de um instrumento na história do jazz. Talvez o ser humano mais talentoso a tocar uma guitarra, o cigano belga radicado na França, nascido Jean Baptiste Reinhardt, ganhou merecida retrospectiva discográfica que permite pela primeira vez acompanhar sua evolução e ter a exata noção de sua genialidade.
Concebida pela gravadora francesa Frémeaux & Associés, a série "Intégrale Django Reinhardt" se estendeu por dez anos e 20 CDs duplos -que podem ser encomendados em sites como www. amazon.com, a US$ 27,98, cerca de R$ 60, cada um-, e chegou à sua conclusão há poucos meses. É um trabalho que reedita todas as gravações conhecidas de sua carreira, feitas entre sua estréia em disco em 1928 e sua morte.
Nos primeiros registros, de junho de 1928, feitos de maneira precária, o músico -então com 18 anos- era creditado como "Jiango Renard" e tocava banjo. A raridade das gravações aumenta ao se considerar que são poucos os registros do estilo de Django antes do acontecimento que definiu sua maneira de tocar: um incêndio, em novembro de 1928, na caravana onde morava, que o fez perder o movimento de dois dedos de sua mão esquerda.
Desenvolveu, assim, maneira própria de tocar, enriquecendo o lado melódico para compensar a dificuldade de montar acordes no instrumento. Unindo técnica perfeita e veloz com originalidade, em dez anos já seria o primeiro músico de jazz europeu a influenciar a América. Foi em 1934 que o guitarrista se juntou ao violinista Stéphane Grappelli e mais três músicos (dois guitarristas e um contrabaixista) para formar o Quinteto do Hot Club da França, formação mais influente de sua carreira. Unindo sua fluidez melódica ao virtuosismo de Grappelli mais a engrenagem rítmica dos outros instrumentistas, Django criou linguagem que se comunicava com o hot jazz americano de então, mas ia além com suas influências européias e ciganas.
A série, com gordos encartes recheados de textos recuperando detalhes de sua vida e obra e fotos das várias fases de sua vida, registra o antes, durante e depois de seu auge, inclusive as reformulações do quinteto no período pós-guerra e as tentativas do músico de se aproximar do bebop.
O guitarrista Mauricio Tagliari, do conjunto paulistano de jazz Nouvelle, que gravou uma música de Django em seu álbum "Free Bossa", de 2000, é um dos que sofreram a influência do músico.
"Não sei dizer se ele é o melhor guitarrista da história do jazz, mas ele com certeza foi o maior estilista do jazz tradicional, o maior improvisador. A influência dele vai para além do jazz. Dá pra ouvir sua influência na guitarra do Chuck Berry. Ele foi provavelmente o cara que mais abriu portas para a guitarra na sua época. Antes, a guitarra era um instrumento secundário, ele deu a ela um papel mais importante", diz.
Admirado por Duke Ellington, que chegou a convidá-lo a tocar em sua banda, e modelo de Woody Allen no filme "Poucas e Boas", Django tinha como admirador também o cineasta francês Jean Cocteau, que quando de sua morte o resumiu: "Django era uma fera gentil que morreu em sua gaiola. Ele vivia a vida que sonham levar: como um cigano. Sua alma era ambulante e sagrada. E seus ritmos eram seus como as listras de um tigre, como sua fosforescência e seu bigode".


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