São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

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Pânico no cinema

No politicamente incorreto "Borat", estrelado por repórter fictício do Cazaquistão, Sacha Baron Cohen provoca riso, desconcerto e polêmica

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

De tempos em tempos, o mundo do entretenimento anglo-saxão vê surgir um nome que leva o gênero a novos limites e ajuda a mantê-lo vivo. Para ficar em poucos exemplos, foi assim com Peter Sellers nos anos 50, Lenny Bruce na década seguinte e Richard Prior, Andy Kaufman, John Belushi, Jerry Seinfeld/Larry David e David Chappelle, desde então.
Agora é a vez de Sacha Baron Cohen, que o grande público brasileiro (se ainda não o viu no YouTube) vai conhecer em "Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América".
Quando a Fox, o estúdio que o produziu, estava com o longa na mão e, insegura, não sabia o que fazer dele, reuniu um time "A" de comediantes para uma sessão especial em Los Angeles, no ano passado.
Estavam de Garry Shandling, um dos atores mais cinicamente engraçados dos EUA, a Judd Apatow, diretor de "O Virgem de 40 Anos", de Larry David, co-criador de "Seinfeld" e estrela de "Curb Your Enthusiasm", a George Meyer, roteirista de "Seinfeld". Ao final, Meyer disse a Apatow: "Sinto-me como se alguém tivesse me colocado para ouvir pela primeira vez "Sgt. Pepper's"."
Pode ser heresia comparar o longa do comediante britânico de 35 anos ao melhor álbum da maior banda que já existiu, mas a metáfora serve para resumir o impacto de quem assiste pela primeira vez Sacha Baron Cohen como o desastrado "repórter cazaque" por ele criado para a TV. A essa altura, é quase irrelevante narrar o que o personagem faz no filme. São situações politicamente incorretas e escatológicas de corar o pessoal do programa "Pânico na TV". Melhor, talvez, seja listar os que se sentiram ofendidos.
Vão de dois romenos, coadjuvantes no que seria a aldeia natal de Borat no Cazaquistão e que dizem terem sido retratados como "estupradores, defensores do aborto, prostitutas, ladrões, racistas, invejosos e rudes", a dois estudantes, que aparecem alcoolizados e afirmam terem sido submetidos a "papel ridículo, humilhação, perda de reputação, angústia, mal-estar físico e psicológico".
Artigos de intelectuais, contra e a favor, foram escritos para as páginas de opinião do próprio "New York Times", mas também das revistas "Time" e "Newsweek" -e até do diário econômico "The Wall Street Journal". Quanto mais levavam o filme a sério, mais involuntariamente engraçados pareciam. Alguns lembravam o quadro "Piada em Debate", do falecido programa "TV Pirata".
Uma sulista norte-americana, que recebe Borat para um jantar no filme, engrossa a lista dos ofendidos, formada ainda por parte importante da comunidade judaica americana, que considerou o filme anti-semita, apesar de feito por um judeu, à Rússia, que proibiu o longa "por ser potencialmente ofensivo a grupos étnicos e religiosos". E o Cazaquistão, é claro.
A princípio, o governo daquele país reclamou do filme. Chegou a comprar páginas de anúncios veiculadas no jornal "The New York Times" que evocavam as belezas naturais do Cazaquistão, terra com "enorme população de lobos". Depois, relaxou e gozou: por conta do filme, o turismo ali aumentou.
Dinheiro. Eis outra baliza a medir o impacto do filme. Com um orçamento de US$ 30 milhões, "Borat" já rendeu US$ 250 milhões no mundo inteiro. O lucro absurdo e o desempenho inesperado nas bilheterias ajudaram a News Corporation, dona entre outras empresas do estúdio Fox, a contrabalançar seus resultados no último trimestre, de resto medíocres.
Isso levou o mogul Rupert Murdoch a se pronunciar sobre o filme, anunciando que viria aí o "Borat 2". Horas depois, foi desmentido pelo próprio Sacha Baron Cohen, que agora trabalha num longa baseado em outro personagem que criou para o programa que tinha na BBC-HBO, "Da Ali G Show".
É Brüno, com trema no "u", um "jornalista austríaco" metido a modelo. Aguarde.


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