São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

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Crítica

Filme testa limites do humor, perturba e propõe bons desafios ao espectador

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Além de ser engraçado, "Borat" propõe bons desafios ao espectador.
Como reagir a uma comédia tão politicamente incorreta, que recorre aos piores clichês televisivos, como o falso documentário e a "pegadinha"?
A cartilha do multiculturalismo repudiaria a escolha da nacionalidade do repórter interpretado por Sasha Baron Cohen, o cazaque Borat Sagdyiev.
Mas é evidente que Cohen transita pelo mesmo território de Peter Sellers em "Um Convidado Bem Trapalhão" (1968), em que o suposto atraso cultural do personagem é, na verdade, um dispositivo humorístico capaz de destilar profunda crítica à "superioridade" da cultura com a qual ele se depara.
O total deslocamento do ator indiano vivido por Sellers, convidado por engano para uma festa da alta sociedade inglesa, faz desmoronar a pose dos convidados. Cohen usa a mesma estratégia ao encenar a visita de Borat aos EUA. As diferenças de comportamento do repórter, ficcionais e elaboradas para forjar situações conforme o desejo do humorista, mostram uma cultura americana nem tão diferente assim, pontuada por preconceitos e pensamentos reacionários.
"Borat" recorre a formatos consagrados para subvertê-los sem piedade. O falso documentário televisivo, bastante explorado desde o sucesso da comédia belga "Aconteceu Perto de sua Casa" (1992), é renovado graças à opção por uma espécie de "embate com o real". Boa parte das situações do filme registra o encontro de Borat (que se passa por verdadeiro) com pessoas comuns. Não distinguir o que é e o que não é encenado faz parte da proposta.
Cohen manipula esses elementos a favor de uma graça que não é "esperta", mas auto-reflexiva e politicamente demolidora. Uma das primeiras experiências de Borat nos EUA é uma "aula de piada". Cohen não discute só os preconceitos mas a forma de fazer humor.
Assim como Borat cria problemas para quem está perto, gerando momentos perturbadoramente verdadeiros, Cohen e o diretor Larry Charles levam o humor aos seus limites sem oferecer respostas fáceis.


BORAT - O SEGUNDO MELHOR REPÓRTER DO GLORIOSO PAÍS CAZAQUISTÃO VIAJA À AMÉRICA    
Direção: Larry Charles
Produção: EUA, 2006
Com: Sacha Baron Cohen, Ken Davitian e Pamela Anderson
Quando: Em pré-estréia em SP na semana, o filme ganha, a partir de hoje, novas salas e horários


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