São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rock é pano de fundo de livro policial

"Caso Perdido", do colunista do "Miami Herald" Carl Hiaasen, usa referências pop em história sobre morte de vocalista de banda

Romance sobre obituarista que suspeita de afogamento de ex-estrela do rock rendeu até uma música de verdade, gravada por Warren Zevon

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

O miniprefácio de "Caso Perdido", do norte-americano Carl Hiaasen, esclarece que aquela é uma obra de ficção. "No entanto", segue o texto, "o episódio do lagarto congelado foi vagamente inspirado no falecimento, na vida real, de um voraz lagarto monitor Savannah chamado Claw, que agora dorme numa embalagem de sorvete".
O trecho omite que, afora a história verídica do réptil (à qual voltaremos mais à frente), o romance policial lançado nos EUA em 2002 e que chega ao Brasil pela Companhia das Letras é repleto de remissões que fãs mais atentos do rock não deixarão passar em branco.
A começar pelo nome original do livro, "Basket Case". Para dar veracidade à trama do obituarista que investiga a morte de Jimmy Stoma, fictício ex-vocalista da fictícia Slut Puppies, o autor rascunhou uma letra de música e a entregou ao cantor Warren Zevon -conhecido nos anos 70 com o hit "Werewolves of London". A faixa "Basket Case" acabaria entrando no álbum "My Ride's Here" (2002), um dos últimos de Zevon, que morreria com câncer, aos 56, um ano depois.
"Warren e eu éramos bons amigos. Achei que seria divertido pegar os versos que tinha escrito como se fossem de Jimmy e transformá-los em algo real, e Warren entrou no espírito da coisa. Ele acabou criando um solo de guitarra incrível", diz Hiaasen (pronuncia-se "raiassã") à Folha, por e-mail.
Referências musicais voltam em momentos como a entrevista (fictícia, claro) de Jimmy Stoma à "Rolling Stone". Elas ajudam ainda a ilustrar um hábito extravagante do protagonista, o repórter Jack Tagger -desde que foi relegado à seção de obituários, ele não consegue ouvir a idade de alguém sem associá-la à idade com que morreram alguns de seus ídolos. "Hendrix Joplin Jones Morrison Cobain..." é tudo o que ele pensa quando sua editora lhe diz que tem 27 anos.

Elvis não morreu
Colunista do "Miami Herald" e autor de best-sellers como "Caça aos Turistas" e "Striptease", Hiaasen emprestou ao protagonista experiências próprias. "Ao longo dos anos, escrevi alguns poucos obituários. E sempre pensei o que seria de mim, ou de qualquer um, se tivesse de escrever sobre a morte diariamente", diz o autor.
O personagem Jack Tagger reproduz um lapso do autor, de achar que Elvis Presley morreu aos 46 -na verdade, o cantor tinha 42 anos na ocasião de sua morte, em 1977. "A princípio foi um erro. Depois achei que seria apropriado mantê-lo na lógica de um personagem obcecado pela morte. Poucos leitores perceberam isso", diz Hiaasen (talvez, especula, por acharem que Elvis não morreu).
No romance, o músico Jimmy Stoma está há anos afastado dos holofotes quando, aos 39, sofre um misterioso acidente nas Bahamas. A morte repercute em veículos como a "Rolling Stone" e o "New York Times" só depois de Tagger escrever um obituário no pequeno "Union-Register", na Flórida -cidade que sedia quase todas as histórias de Hiaasen.
"Mortes estranhas de estrelas do rock são uma espécie de clichê, então resolvi partir disso. O engraçado no rock'n'roll é que a morte é geralmente um bom passo na carreira", avalia.
A morte dá o tom do humor do livro, e não é diferente com o lagarto citado no prefácio, cuja permanência no congelador será providencial, a certa altura do romance, para o protagonista. A bizarria tem origem num caso que, garante Hiaasen, aconteceu com um amigo.
"Ele tinha um lagarto que morreu de ataque cardíaco. Como sua casa tinha sido assaltada fazia pouco tempo, resolveu mantê-lo no freezer para usá-lo para assustar bandidos, se preciso." O plano não deu tão certo quanto daria em "Caso Perdido" -na história real, um queda de energia fez o lagarto descongelar, e seu dono precisou se livrar dele o quanto antes...

"Striptease"
Graças ao filme com Demi Moore, em 1996, "Striptease" tornou-se o romance mais conhecido de Hiaasen. Mas ele renega o resultado cinematográfico da história sobre a mulher levada, por adversidades da vida, a fazer o que antecipa o título. "Andy Bergman [diretor] fez um primeiro esboço excelente. Mas o resultado final foi certamente uma coisa que eu nunca escreveria. Lidar com Hollywood pode ser algo doloroso..."


Texto Anterior: Machado e João Cabral abrem coleção
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.