|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Autora narra trauma político e pessoal do Irã
Em "O Que Eu Não Contei", Azar Nafisi analisa como as relações familiares e sociais se refletem na política iraniana
Para ela, país lembra a Europa do Leste antes da queda do Muro de Berlim; livro anterior da autora foi sucesso de vendas nos EUA
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Na autobiografia "O Que Eu
Não Contei", a iraniana Azar
Nafisi transforma o que sua
mãe condenava como "lavação
de roupa suja em público" no
que chama de "último ato de resistência" às idiossincrasias
maternas: coisas como espionar seus diários, esconder seus
brinquedos e ostentar frieza
em relação ao marido e à filha.
Mas o subtexto da resistência
é político, não fosse Nafisi a autora de "Lendo Lolita em Teerã", libelo contra o regime islâmico que ficou dois anos na lista dos mais vendidos do "New
York Times" quando foi lançado nos EUA, em 2003 -e que a
Record relança junto com as
novas memórias.
"Depois da Revolução Islâmica, eu costumava brincar
que tínhamos nos preparado
para um período assim vivendo
com minha mãe. O esforço para
resistir às deidades reinantes
era tão exaustivo que eliminava
qualquer possibilidade de você
se divertir realmente", escreve.
À Folha, ela disse que quis
mostrar "como relações pessoais refletem relações políticas, sociais e culturais", e que
"brigou muito" com a editora
americana para que o novo livro não explorasse mais a política. "Não quero ser conhecida
como vítima, mas como escritora e professora."
A autora nasceu em 1955,
dois anos depois do golpe que
depôs o premiê nacionalista
Mossadegh. Universitária nos
EUA, teve contato com exilados de esquerda contrários à
monarquia. "Até que ponto podemos confiar num povo que
lamenta por Mossadegh, mas
vota por [o aiatolá] Khomeini?", pergunta ela.
Suas diferenças com o novo
regime passam pelos direitos
femininos. O uso público do
véu se tornou obrigatório. A
poligamia voltou a ser permitida. Por ironia, as famílias tradicionais passaram a deixar que
suas filhas estudassem fora de
casa. "Não importa o quão educada uma mulher seja, no Irã
ela tem que se conformar em
ser cidadã de segunda classe."
Em 1997, quando a eleição à
Presidência de Mohammad
Khatami marcou breve período de liberalização, Nafisi decidiu se mudar para os EUA.
Ela não crê em reformas.
Lembra que os desafiantes do
conservador Mahmoud Ahmadinejad na eleição de 2009 foram fundadores do regime.
"Acho que a situação do Irã é
parecida com a da Europa do
Leste pouco antes da queda do
Muro de Berlim."
A autora considera "lamentável" que o governo brasileiro
tenha recebido Ahmadinejad,
no auge da repressão aos opositores. "Se o governo não presta
contas ao povo, como vai prestar contas ao Brasil?"
Nafisi já foi criticada por sua
relação com ideólogos conservadores, como o orientalista
Bernard Lewis. Mas ela é contra mudanças promovidas do
exterior. "Nunca pensei que os
EUA deveriam intervir no Irã.
Sempre achei que a mudança
deveria vir da sociedade, e não
por golpe de Estado."
A iraniana considera a religião "assunto privado". Menciona a repressão de fundo religioso como origem da pedofilia
de um parente que a apalpou
quando ela tinha seis anos.
"Fui educada na tradição de alguns de nossos poetas, como
Rumi (1207-1273), que dizia
que Deus deve ser cultuado
sem mediação."
Texto Anterior: Comentário: Atriz encarna protótipo de musa indie Próximo Texto: Frases Índice
|