São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

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Autora narra trauma político e pessoal do Irã

Em "O Que Eu Não Contei", Azar Nafisi analisa como as relações familiares e sociais se refletem na política iraniana

Para ela, país lembra a Europa do Leste antes da queda do Muro de Berlim; livro anterior da autora foi sucesso de vendas nos EUA

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Na autobiografia "O Que Eu Não Contei", a iraniana Azar Nafisi transforma o que sua mãe condenava como "lavação de roupa suja em público" no que chama de "último ato de resistência" às idiossincrasias maternas: coisas como espionar seus diários, esconder seus brinquedos e ostentar frieza em relação ao marido e à filha.
Mas o subtexto da resistência é político, não fosse Nafisi a autora de "Lendo Lolita em Teerã", libelo contra o regime islâmico que ficou dois anos na lista dos mais vendidos do "New York Times" quando foi lançado nos EUA, em 2003 -e que a Record relança junto com as novas memórias.
"Depois da Revolução Islâmica, eu costumava brincar que tínhamos nos preparado para um período assim vivendo com minha mãe. O esforço para resistir às deidades reinantes era tão exaustivo que eliminava qualquer possibilidade de você se divertir realmente", escreve.
À Folha, ela disse que quis mostrar "como relações pessoais refletem relações políticas, sociais e culturais", e que "brigou muito" com a editora americana para que o novo livro não explorasse mais a política. "Não quero ser conhecida como vítima, mas como escritora e professora."
A autora nasceu em 1955, dois anos depois do golpe que depôs o premiê nacionalista Mossadegh. Universitária nos EUA, teve contato com exilados de esquerda contrários à monarquia. "Até que ponto podemos confiar num povo que lamenta por Mossadegh, mas vota por [o aiatolá] Khomeini?", pergunta ela.
Suas diferenças com o novo regime passam pelos direitos femininos. O uso público do véu se tornou obrigatório. A poligamia voltou a ser permitida. Por ironia, as famílias tradicionais passaram a deixar que suas filhas estudassem fora de casa. "Não importa o quão educada uma mulher seja, no Irã ela tem que se conformar em ser cidadã de segunda classe."
Em 1997, quando a eleição à Presidência de Mohammad Khatami marcou breve período de liberalização, Nafisi decidiu se mudar para os EUA.
Ela não crê em reformas. Lembra que os desafiantes do conservador Mahmoud Ahmadinejad na eleição de 2009 foram fundadores do regime.
"Acho que a situação do Irã é parecida com a da Europa do Leste pouco antes da queda do Muro de Berlim."
A autora considera "lamentável" que o governo brasileiro tenha recebido Ahmadinejad, no auge da repressão aos opositores. "Se o governo não presta contas ao povo, como vai prestar contas ao Brasil?"
Nafisi já foi criticada por sua relação com ideólogos conservadores, como o orientalista Bernard Lewis. Mas ela é contra mudanças promovidas do exterior. "Nunca pensei que os EUA deveriam intervir no Irã. Sempre achei que a mudança deveria vir da sociedade, e não por golpe de Estado."
A iraniana considera a religião "assunto privado". Menciona a repressão de fundo religioso como origem da pedofilia de um parente que a apalpou quando ela tinha seis anos. "Fui educada na tradição de alguns de nossos poetas, como Rumi (1207-1273), que dizia que Deus deve ser cultuado sem mediação."


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