São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

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Paixão por ídolos dá origem a livros

Autor prepara há sete anos biografia de Fernando Pessoa; há obras sobre Euclydes da Cunha e Rimbaud

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Andando em Lisboa há poucos anos, o advogado pernambucano José Paulo Cavalcanti jura que viu o poeta Fernando Pessoa (1888-1935) de costas, nas imediações da mítica Livraria Bertrand. E ele fala sério. Mas ele não pretende incluir esse incidente na sua minuciosa biografia do poeta português, que lançará nos próximos meses pela editora Record.
A publicação encerra um trabalho gigantesco desse advogado, de 61 anos, ex-secretário-geral do Ministério da Justiça (governo Sarney). "Conheci Pessoa com 16 anos, foi uma paixão arrebatadora. Trabalho [no livro] há quase sete anos." Só para fazer a pesquisa, esteve mais de 20 vezes em Portugal. Para checar todas as informações, contratou um historiador e um jornalista no país.
"Não há nenhuma passagem que não esteja coberta", diz. Sua obra deve ter cerca de 500 páginas (metade do tamanho inicial), e será repleta de notas. Tudo foi esmiuçado: obras, revistas, os locais em que viveu e os registros nas juntas comerciais. "As três biografias anteriores ajudaram, mas o número de imprecisões é brutal. O primeiro diz algo, e os outros reproduzem sem conferir nada."
Cavalcanti relaciona essa forma detalhista de trabalhar às copiosas aulas de piano que teve na infância. Descreve sua forma de lidar com a pesquisa como "volúpia por exatidão".
Em sua casa, em Recife, há um quarto cheio com faxes, rascunhos e e-mails que reuniu. "Minha mulher compreendeu. Tenho quase tudo de Pessoa no original, uma compulsão, quase todas as primeiras edições."
Ele não adianta detalhes do material que reuniu, mas garante que "achou muita coisa" e que sua visão do poeta mudou.
O trabalho obsessivo levou Cavalcanti a participar de leilões de objetos que pertenceram ao poeta, como a coleção de selos que conseguiu arrematar. "Minha mulher se angustia quando os lances sobem. Mas quanto vale uma paixão?"

Rimbaud
Dedicação semelhante tem um dos mais respeitados tradutores do país, Ivo Barroso, 80. Sua relação é antiga com outro poeta, Rimbaud (1854-1891). Ele se dedica a traduzir o francês desde a década de 70, quando sua primeira versão de "Uma Estadia no Inferno" (1973) ficou pronta, a convite de Ênio Silveira, da Civilização Brasileira. "Fiz tanto esforço que fiquei até doente", diz.
O livro só foi publicado em 1977. Na época, Barroso deixou o país para se dedicar a sua carreira no Banco do Brasil, que o levou a países como Portugal, Reino Unido e Suécia. Nesse período, dedicou-se a traduzir a poesia completa de Rimbaud. Um trabalho que intensificou ao mudar-se para Paris, em 1989, ao se aposentar.
Na França, procurou a sociedade dos amigos de Rimbaud, atrás de conselhos. "Disseram: se você está traduzindo, precisa parar [de ler], ou vai ficar doido. Na biblioteca da sociedade, havia mais de 1.500 livros de críticas e interpretações sobre ele".
O trabalho continuou obsessivo. "Quando cheguei no "Bateau Ivre", fiquei empolgado e fiz centenas de versões. Mais de 40 tentativas para um só verso. Não conseguia arranjar o timbre e o significado que queria."
Com a volta ao país, em 1992, procurou uma editora para lançar as traduções. José Mario Pereira, da Topbooks, topou. "Em 1994 editamos a poesia completa, que se esgotou no mesmo ano." Em 1998 foi editada a prosa poética. E, finalmente, as cartas do poeta saíram em dezembro passado ("Correspondência - Arthur Rimbaud", 474 págs., R$ 59).
Terminado o trabalho, Barroso decidiu doar sua coleção rimbaudiana ao Centro Cultural do Banco do Brasil-RJ. "Tem a cara dele em toda lombada. Sou espantado dia e noite por ela. A única forma de me livrar é doar..."

Euclydes
Já o professor da Universidade Federal Fluminense Paulo Roberto Pereira, 62, reúne há 15 anos material sobre Euclydes da Cunha. Ele organizou em 2009 as obras completas do autor, editadas pela Nova Aguilar (em dois volumes, com 2.074 págs.). "Tenho as cinco primeiras edições de "Os Sertões.'" Além de reler todos os textos do escritor, Pereira precisou reavaliar todo o trabalho crítico desde a primeira edição da obra, na década de 60.


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