São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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FESTIVAL DE BERLIM
Cineasta premiado ontem com o Urso de Ouro afirma que não quer fazer filmes sob encomenda
"Não me interessa Hollywood', diz Salles

do enviado a Berlim

A consagração de "Central do Brasil" em Berlim não muda os planos de Walter Salles, 41. O cineasta está finalizando seu quarto longa-metragem, "O Primeiro Dia" (ex-"Contagem Regressiva"), que terá uma versão para TV.
O diretor, que despontou como documentarista -dirigiu "Socorro Nobre" sobre a relação de uma presidiária com o artista plástico Frans Krajcberg- fez trabalhos para a TV, como a série "Conexão Internacional", e publicidade.
Salles falou com exclusividade à Folha uma hora e meia após o anúncio da premiação. Comentou a vitória, reverenciou o Cinema Novo, descartou dirigir filmes de encomenda ou trabalhar em Hollywood. Leia abaixo uma síntese do encontro. (AMIR LABAKI)

Folha - Você esperava?
Walter Salles -
Cheguei aqui com certo ceticismo e com muita esperança que a Fernanda (Montenegro) fosse premiada. O filme é na verdade um homenagem para ela e para a Marília (Pêra). Naquele momento inicial, antes da primeira projeção, intimamente eu torcia pelo prêmio da Fernanda.
Folha - Quando você achou que tinha chance de ganhar?
Salles -
O Urso de Ouro, só ao chegar hoje (ontem) aqui e sentir que havia uma torcida generalizada nesta direção. Mas achar que o filme talvez ganhasse alguma coisa foi depois dos dez minutos de aplausos no Zoo Palast (sede do festival) e depois que as sessões públicas, nos dois dias seguintes, começaram a ser aplaudidas.
Folha - A vitória é um reconhecimento isolado?
Salles -
De forma nenhuma. Não é um prêmio exclusivo do "Central". Além de premiar o filme, premia uma tradição cinematográfica brasileira. Premia a memória do Cinema Novo e de seus filhos, que foram reconhecidos em Berlim, mais que em qualquer outro festival. E acho que premia os filmes brasileiros que estiveram aqui no ano passado e criaram um interesse pelo cinema brasileiro. É um prêmio que abre as portas. De todas as resenhas, a que mais me sensibilizou foi a do Nélson Pereira dos Santos na (revista) "Moving Pictures".
Ele diz que o Brasil deixou de fazer filmes no início dos anos 90, a retomada aconteceu em 94, mas que a recuperação da estética e do conteúdo do cinema brasileiro, e a herança do Cinema Novo, acontece agora com "Central".
Folha - Você concorda que esse é o primeiro filme em que você deixa as emoções aflorarem?
Salles -
Não há dúvida. Acho que isso aconteceu no primeiro dia de filmagem, talvez a continuação do que aconteceu comigo com o "Socorro Nobre" (curta metragem de Walter Salles que continha a idéia original de "Central"). A voltagem inicial foi dada pelas pessoas que sentaram naquela mesa (da Central do Brasil) e começaram a ditar cartas que tinham tal carga emocional que fomos envolvidos por aquele estado de coisas. Como filmamos em ordem cronológica, fomos tomados por aquilo e resolvemos ser fiéis a isso.
Folha - Como você define "Central do Brasil"?
Salles -
É um filme sobre a descoberta do afeto, sobre a ressensibilização daquela mulher (Dora, a "escrevedora" de cartas, vivida por Fernanda Montenegro) e sobre um país à procura de suas origens. Folha - A premiação muda seus planos?
Salles -
Não muda absolutamente nada. Vou continuar agora a pós-produção do "Contagem Regressiva", que passou a chamar "O Primeiro Dia". E vou continuar a desenvolver os roteiros. Não estou interessado em mudar de país. Não me interessa a idéia de uma carreira cinematográfica. Me interessam os filmes. Não tenho o menor interesse de seguir a trilha de fazer filme por encomenda ou filme para Hollywood.
Folha - Quando você leva o Urso de Ouro para o Brasil?
Salles -
Semana que vem (esta semana). Ia para os EUA para tratar do trailer americano, mas vou ter de refazer os traileres e cartazes brasileiros. Em vez de ir aos EUA, vou para França, onde estão os elementos para este trabalho, e no meio ou no final da semana volto para o Brasil.



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