São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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Marc Quinn dá sangue à escultura

CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Londres


A jovem arte britânica está com tudo e não está prosa. A maior evidência disso foi a mostra "Sensation", o mais inesperado sucesso de público do ano passado em Londres, que exibiu 110 obras da coleção de Charles Saatchi (leia texto abaixo), entre elas três de Marc Quinn.
O artista londrino de 33 anos conquistou o mundo das artes em 1991, quando realizou a escultura e auto-retrato "Self", com 4,5 litros de seu próprio sangue (aproximadamente a quantidade que um corpo humano adulto comporta). A escultura se apresenta sempre em uma câmera refrigerada para que não coagule.
"Para realizar "Self', tive que ir ao médico durante seis meses para tirar sangue. Deveria ser nove, mas tive que fazê-lo rápido porque eu tinha a idéia e deveria finalizá-la para uma mostra que já estava programada", revelou à Folha, por telefone, de Londres. A mostra foi sua primeira individual, organizada por Jay Jopling (White Cube Gallery).
A obra discute questôes recorrentes no trabalho de Quinn, como imortalidade e transcendência. "Self" é vida, pois é sangue, mas, desprovido de seu fluxo e calor, é também morte.
Como grande parte dos jovens artistas britânicos, Marc Quinn não se contamina com a arte conceitual dos anos 70 e se aproxima de uma produção mais orgânica, que dialoga com o corpo, sua fragmentação e desmaterialização, inspirado não em escolas, mas em expoentes individuais, como Francis Bacon e toda a sua tragicidade e solidão.
A maioria de seus trabalhos refere-se ao corpo em transformação, à dor e ao êxtase, sejam eles físicos ou espirituais. Autobiográfico convicto, Quinn se aproxima do espectador e o deixa em situação incômoda com temas obsessivos, mórbidos e eficazes.
"A comunicação com as pessoas é uma das coisas mais importantes para um artista. A vida sem comunicação é chata. Eu gosto de fazer trabalhos que você não precisa entender de arte para gostar deles."
Quinn exibe até 8 de março uma série de novos trabalhos na South London Gallery. A mostra é aberta com uma grande escultura em gelo. "Across the Universe", novamente o corpo de Quinn, recupera a temática de "Self".
"Across" é corpo, mas é frio, e o congelamento, que serviria para conservar um corpo com vida, também é sinônimo de morte.
"Eternal Spring", um buquê de girassóis preservado em uma massa de silicone, também lida com a dicotomia de estar vivo e morto ao mesmo tempo.
"Sempre estive muito interessado em questões científicas, como para realizar "Eternal Spring'. Ela discute questões como a imortalidade, essa dúvida constante torna a questão sempre fascinante."
Os girassóis são uma clara referência a Van Gogh, um dos maiores ícones da história da arte. "Ela mostra que ainda é possível ser um artista, mas de uma maneira diferente. "Eternal Spring' não é apenas um buquê de flores, mas a idéia de que a produção artística sempre existirá, independentemente das mudanças", disse.
A trajetória de Quinn prossegue em maio, quando o artista ganha uma individual na galeria Gagosian, em Nova York, que exibe até 28 de fevereiro telas recentes de Anselm Kiefer.



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