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Apoteose cenográfica divide opiniões
Paulo Junqueira/Folha Imagem
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Detalhes da construção da Igreja no edifício da Bienal, para alojar parte do módulo do barroco |
Mostra dos 500 Anos terá ambientações em todos os módulos para cativar novo público para a arte
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JULIANA MONACHESI
free-lance para a Folha
Ousadia ou banalização? A Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais está comprando uma briga
dessas que vale a pena acompanhar: os 12 módulos da Mostra do
Redescobrimento, a megaexposição de arte que vai ocupar o parque Ibirapuera a partir de 24 de
abril, serão cenografados.
Especialistas dividem-se quanto
à concepção expositiva adotada
pelos organizadores, pois temem
que a apoteose cenográfica roube
a cena das obras de arte. Além disso, preocupam-se com o efeito sobre as instituições culturais, que
podem perder público por não
adotar esse "novo paradigma".
"Nada está sendo feito sem o
consentimento do curador", diz
Emilio Kalil, coordenador de cenografia da mostra. "A exposição
continua com sentido museológico, ao qual se soma o trabalho cenográfico", diz Edemar Cid Ferreira, presidente da associação.
Os cuidados para preservar a integridade da obra de arte vão do
casamento entre curadoria e cenografia à escolha dos nomes. Os
responsáveis pela ambientação
são nomes de peso: Bia Lessa, Daniela Thomas, Emanoel Araújo,
Ezio Frigerio, Marcelo Ferraz,
Marcos Flaksmann, Naum Alves
de Souza, Paulo Mendes da Rocha
e Paulo Pederneiras.
Todos eles já puseram mãos à
obra nos espaços que lhes cabem,
e os três pavilhões que vão abrigar
a mostra estão atualmente tomados por operários. A intervenção
mais radical já tem endereço: no
edifício da Bienal está sendo construída a réplica de uma igreja.
A diretora e cenógrafa Bia Lessa, a quem coube o módulo "Arte
Barroca", que tem curadoria de
Myriam Ribeiro, decidiu "anular"
a arquitetura de Oscar Niemeyer,
ocupando todo o vão do edifício
com essa "catedral".
O visitante vai entrar pelo térreo, onde serão instalados troncos
de árvore de sete metros e um lago com minério de ferro, e percorrer um trajeto com flores de
papel crepom até o templo.
"A entrada vai remeter à situação daquelas imagens perfeitamente esculpidas chegando a um
cenário de brutalidade e abundância que era o Brasil. Toda a cenografia vai contribuir para ressaltar a tensão entre o sagrado do
colonialismo e o catolicismo
adaptado pelos brasileiros", explica Bia Lessa.
Conhecida pela direção de peças e filmes, Lessa diz que a idéia
não é fazer cenografia de teatro.
"Não vai ter nada "fake': os troncos de árvore e o minério de ferro
são reais. As flores de papel crepom estão sendo feitas por presidiários do Pavilhão 7 do Carandiru, que é o pavilhão dos devotos, o
que reforça a idéia de que a devoção brasileira é feita pelas mãos,
como o chão de procissões."
Quanto ao perigo de banalização, Lessa chama a atenção para a
multiplicidade do mundo, em
que as artes se cruzam. "As coisas
não podem ser mais classificadas
ou compartimentalizadas; essa é a
riqueza do nosso tempo: não poder mais catalogar o mundo."
O cenógrafo italiano Ezio Frigerio, convidado para ambientar o
módulo "O Olhar Distante", criou
um cenário grandioso, com árvores pintadas de azul, que remetem
à primeira visão que os portugueses tiveram do Brasil. O céu, o mar
e a opulência da natureza foram
conjugados por Frigerio.
"Não queria fazer algo realista,
então fiz uma união entre a forma
da árvore e o azul do céu e do
mar", conta. E acentua sua preocupação de não interferir nas
obras, que vão de Frans Post a
Anselm Kiefer: "Quando as pessoas olham para a pintura, estão
de costas para as árvores."
O curador do MAM-Rio, Agnaldo Farias, afirma logo ser contra pré-julgamentos. Feita a ressalva, diz que sua preocupação é
que o espetáculo termine encobrindo as obras. "Sem tirar a dimensão protagonista da obra de
arte, o responsável pela ambientação pode propiciar atmosfera
mais rica para fruição", completa.
Por outro lado, Farias considera
haver uma mistificação acerca do
espaço branco e neutro. "Esse é
um mito de raiz modernista. O espaço limpo, puro, ideal, platônico
e sepulcral do modernismo deu
lugar à concorrência de fatores
que faz parte de nosso cotidiano."
Tadeu Chiarelli, curador do
MAM de São Paulo, faz menos
concessões. "Zanini sempre ensinou algo que reputo fundamental: qualquer elemento que não
seja a obra de arte deve apenas auxiliar a compreensão do público
das artes. A cenografia banaliza
ou tende a banalizar a arte."
Chiarelli enfatiza o risco de esse
ideário tornar aos olhos do público museus e centros culturais espaços atrativos como os shopping
centers. "O espectador não entra
em um espaço expositivo para ver
vitrines, para passar ao largo como um "flâneur". Desenhos do século 18 ou monotipias de Mira
Schendel, por exemplo, necessitam de outro tempo, outra postura, e podem acabar sem público
porque não têm showbiz", diz.
Farias concorda: "Acho imperdível a oportunidade de visitar tudo dessa tentativa estupenda de
resumir nossa arte, mas pelo fato
de nunca termos visto uma mostra dessa envergadura temo que a
política espetacular distancie o
público de exposições pequenas,
de leitura em profundidade".
Martin Grossmann, vice-diretor do MAC-USP, é outro que
alerta para o risco de a cenografia
maquiar a potência da arte, mas a
considera bem-vinda contra a visão mítica das obras. "O paradigma moderno preconiza uma certa
ideologia do espaço da arte, que
Lina Bo Bardi questionou com o
projeto dos cavaletes para o
Masp, por exemplo", diz.
Para ele, a cenografia é interessante como experiência. "É mais
difícil trabalhar com isso do que
com o purismo, por isso deve-se
ter o cuidado de deixar muito claro que conceito está por trás."
Segundo Edemar Cid Ferreira,
cenografar foi um consenso a que
se chegou pensando em entusiasmar o público. "Um recinto acolhedor para o visitante possibilita
conquistar pessoas que pela primeira vez estão indo a uma exposição de arte", afirma.
"Você não cativa com pirotecnia, e sim com um trabalho sistemático e sério que vá sedimentando o interesse pela arte. Não se
amplia qualitativamente o público transformando exposições em
circo", sentencia Chiarelli.
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