São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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Projeto "Brazilian Art Book VI" pediu trabalhos a artistas sem revelar recursos públicos

Livro capta R$ 1,1 mi, pede doação de obras e é vendido a R$ 280

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Como fazer de um livro de arte um negócio da China? Inscreva o projeto na Lei de Incentivo à Cultura para arrecadar R$ 1,3 milhão. Depois, convide bons artistas plásticos para participarem do livro, sem mencionar o valor que está sendo captado. Para maximizar recursos, peça aos artistas a doação de uma obra "para ajudar nos custos" -além de fotos e textos sobre o próprio autor, pagos também por eles.
O que seria uma das partes mais caras da publicação, já saiu de graça. Depois, com o dinheiro arrecadado de fato, no caso R$ 1,1 milhão, lance o livro e o coloque no mercado a R$ 280. Bem, isso é um caso real, e os valores da publicação estão no site do Ministério da Cultura.
Trata-se de "Brazilian Art Book VI", publicação da editora Jardim Contemporâneo, que é lançada hoje. "Sinto-me lesado. A Nair Barbosa Lima [diretora curadora do livro] falou que ela não tinha verba. Os artistas pagaram tudo, das imagens ao texto que as acompanha", diz Gustavo Rezende, um dos 43 artistas no livro.
"Não foi bem essa a conversa. O que a gente sempre pede é uma obra do artista para apresentarmos nas mostras de lançamento. Como essas obras viajam, a doação é para evitar preocupação do seguro. Mas, quem não está de acordo, não participa", diz Lima. A diretora confirma que fica com as obras. "Estamos montando um instituto para facilitar isso."
"Estou muito surpresa por saber que o projeto captou todo esse montante, pretende vender os livros a um preço lucrativo e ainda conduziu a relação com o artista na base da permuta. Para nós, fica a palavra de que a permuta seria para ajudar nos custos. Fico constrangida de ter feito isso", diz a artista Ana Maria Tavares.
"Isso é valor de cinema", disse à Folha um editor que pediu para não ser identificado. Por solicitação da reportagem, uma gráfica elaborou o orçamento de uma publicação com as mesmas especificações de "Brazilian Art Book VI". Resultado: R$ 720 mil. "Nós pagamos cerca de R$ 900 mil para a gráfica, mas há outros custos altos envolvidos", diz Álvaro César Ferrari, diretor executivo da Jardim Contemporâneo.
Tunga, Waltércio Caldas e Dora Longo Bahia estavam na lista apresentada aos artistas como convidados. Nenhum está no livro. "Eu não aceitei. Há muitos anos, alguém teve uma idéia parecida e fui com o Leonilson conhecer o projeto. Ele saiu "p" de lá, disse que aquilo era absurdo, que mais uma vez o artista não ganhava nada. Fiquei pensando: é igual", conta Dora.
Não foram só artistas que se recusaram a tomar parte do livro. O curador Cauê Alves, do MAM de SP, foi convidado a escrever a introdução do livro e organizar a mostra. Não aceitou. "Ofereceram R$ 10 mil, mas não concordei com o modelo de financiamento do livro; o correto seria comprarem os trabalhos dos artistas, afinal o livro está sendo realizado com verba pública", disse Alves.
"Esse é mais um vício do circuito da arte e a gente nem tem tempo de checar essas distorções. Eles deveriam abrir as contas", afirma Tavares. No site do Ministério da Cultura, já consta o orçamento para a próxima edição do "Brazilian Art Book", cerca de R$ 1,2 milhão, com R$ 731 mil já captados.
O lançamento do livro acontece, hoje, às 19h, no andar térreo do Pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera), na mostra "As Muitas Geografias do Olhar", com curadoria de Angélica de Moraes, que também escreve o texto introdutório da publicação. A mostra fica em cartaz até domingo, com entrada franca.


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