São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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NINA HORTA

Coisas de americano

Lembram-se do Chez Panisse, o restaurante de Alice Waters, o lugar onde nasceu a comida de San Francisco, Califórnia, simples, minimalista, uma ode ao quintal, ao terreiro, às raízes?
Pois não é que muitos chefs resolveram achar que esse tipo de comida anda fora de moda? Simplicidade nas técnicas? Comida orgânica de avó ou de mãe? Autenticidade cultural? Que idéia é essa nestes tempos de globalização? Avó de quem?
Os chefs de lá, da Bay Area, dizem que tudo o que querem é uma comida deliciosa e, quando o mercado estiver saturado de comida boa, aí sim, vão pensar em criar novidades. A comida da região estaria diretamente ligada à felicidade e ao prazer depois que Alice Waters educou os paladares para o que há de melhor em matéria de ingredientes.
Os chefs novidadeiros acham que para que o paladar se apure ainda mais é preciso ver coisas novas, viajar, experimentar outras comidas, outros métodos de cozinhar. Adquirir outros gostos, aumentar a paleta de escolhas.
Com certeza andaram pela Espanha e estão salivando por uma espuminha. Os chef criativos ainda reclamam que essa comida maravilhosa e orgânica é cara demais e não há como construir uma sociedade igualitária e feliz à maneira dos hippies (Alice Waters foi um deles), baseada num estilo de vida simples e natural, quando a comida custa os olhos da cara. E que não há argumento contra unir o tradicional ao experimental.
Bem, a polêmica fica com vocês.

 

E achei que gostariam de ler esta tradução resumida de uma reportagem sobre comida paulista.
Dan Shaw, repórter do "New York Times", veio aumentar sua paleta em São Paulo. Não conta quem foi seu guia.
Maratona completa, incluindo passeio ao Mercado Municipal. Almoço no Figueira Rubayat, pão de queijo e caipirinha de cachaça. Observou atentamente a burguesia paulistana comendo carnes grelhadas e caixas de frutos do mar debaixo de um solzinho gostoso filtrado pela árvore imensa.
Almoçou no Prêt Café, um pequeno restaurante dos Jardins, de um menu de gnocchi, peixe com molho de camarão, abobrinha recheada, arroz, feijão, salada verde e pudim de coco.
O repórter percebeu que a cidade ficava mais vazia nos fins de semana, e os jovens profissionais que não viajam vão jantar no Spot, uma brasserie toda envidraçada, estourando de gente bonita. O menu é de salada de folhas verdes variadas, massas criativas e uns pequenos bifes com molhos lustrosos acompanhados de batatas muito bem fritas.
Foi difícil para ele se concentrar na comida excelente, com tanta mulher bonita de minissaia e queimada de sol. E ainda se intrigou com uma mesa com dois homens lindos que pagavam rodadas de bebidas para quem chegasse perto. Parecia um episódio dublado de "Sex and the City".
Foi ver quem sabe gastar no D.O.M., que ele considera o Jean Georges Vongerichten da cidade, pelo uso adaptado dos ingredientes brasileiros, como feijão-preto, bacalhau, ferofa (sic) com um toque francês. E ironizou as famílias ricas, tão blasés que nem olham o que está no prato, preocupadas com os celulares ao ouvido. E aconselha. "Deveriam prestar mais atenção no que comem porque a comida é soberba."
Dali para o Fasano e Baretto, e depois de tudo, debaixo de chuva, correu para a Z-Deli, onde se sentiu em casa, como numa deli nova-iorquina que tem como donas duas mães judias que o entucharam de gefilte fish, pirogi e coleslaw. E ainda levou um pito porque aquilo não era viagem, muito rápida, e que da outra vez perguntasse a elas onde ir, nada de ficar andando por aí sem a orientação das mamas. Oiweh!


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