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Freak show
Heitor Dhalia fala da "estética da leveza" que buscou em
"O Cheiro do Ralo", depois de pesar a mão em "Nina", seu primeiro longa, fracasso de público; diretor agora opta por pegada "pop" e a presença do carismático Selton Mello
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
"O Cheiro do Ralo", que chega hoje com 17 cópias aos cinemas de São Paulo, Rio e Brasília, tornou-se um inesperado
cartão de visita para seu diretor, o pernambucano Heitor
Dhalia, 37. "O engraçado é que
ele era patinho feio, foi muito
rejeitado, até depois de pronto", conta Dhalia, que, de setembro para cá, com o filme a
tiracolo, acumulou prêmios nacionais (Prêmio da Crítica Internacional e Prêmio Especial
do Júri, do Festival do Rio, e o
Prêmio do Júri da Mostra de
Cinema em São Paulo), foi ao
Festival Sundance e emplacou
dois projetos na O2 Filmes.
Nada mal para um diretor cuja estréia na direção de longas,
"Nina" (2004), foi mal nas bilheterias (o público não passou
de 40 mil espectadores) e que
quase desistiu de levar adiante
sua adaptação para o cinema do
livro homônimo do quadrinista
Lourenço Mutarelli, sobre o
dono de uma loja (Selton Mello) que compra objetos usados,
às voltas com um malcheiroso
ralo de banheiro, e um vazio
que, pensa, só poderá preencher se comprar "a" bunda.
"Quando chegava no nome,
as pessoas [produtores] diziam
"Não vou botar nenhum centavo nesse filme". Foi uma ladainha passar pelo título. Quando
conseguia, caía na bunda, na
história de um cara apaixonado
por uma bunda, que cheira o ralo", recorda Dhalia, que reputa
o sucesso do filme ao "lado sórdido e ao prazer pelas obsessões e taras sexuais" que todos
temos.
Guerrilha
O diretor, que assina o roteiro com Marçal Aquino, repetindo a dobradinha de "Nina", ouvia o conselho de um amigo para fazer o filme "mesmo que
fosse uma guerrilha" e juntou-se a quatro sócios privados, que
usaram dinheiro do próprio
bolso para tirar o filme do papel. O orçamento?
"Comecei a falar em R$ 300
mil, sem ter orçado. Era um
completo blefe e todo mundo
pensava que era verdade", conta Dhalia. "Cada um entrou
com cerca de R$ 50 mil, ainda
tivemos mais um prejuízo. Depois conseguimos mais R$ 30
mil, mas tínhamos tanta paranóia do dinheiro acabar que
economizamos R$ 15 mil. Mas
não acho que fazer filme com
300 paus seja modelo."
Descontado o desafio de rodar o segundo filme com um orçamento inferior ao primeiro
-"Nina" custou cerca de R$ 2,5
milhões-, Dhalia impôs-se
uma condição subjetiva: não fazer de "O Cheiro" outro "Nina".
"Ali eu entendi que pesei a
mão. Eu sei que o diálogo é difícil, muita gente não gosta, mas
era meu primeiro filme, eu estava mais duro. Foi também
um aprendizado sobre tom e o
ato de comunicação. Fui intransigente, tive algo adolescente, de reafirmação do eu",
explica Dhalia. "Eu tinha uma
trajetória em publicidade e
queria fazer um filme autoral e
visceral, não concessivo. Consegui, mas saiu negro demais."
Mea-culpa feita, Dhalia diz
não ter feito grandes mudanças
na dramaturgia de Mutarelli,
tomando um "partido irônico"
em vez de um realismo cru, algo
traduzido no que ele chama de
"estética da leveza", presente
no figurino dos personagens,
na fotografia sem áreas de sombra, numa "paleta com todos os
tons marrons", na direção de
arte "trash" da loja e da lanchonete da Mooca, na trilha sonora
com um "aspecto de colecionador", com música francesa e
italiana dos anos 70, punk rock,
Frank Sinatra etc.
"Optei por uma coisa meio
pop como faz o Martin Scorsese, que numa cena de matança
não sublinha ou enfatiza, mas
busca um contraponto irônico.
Tarantino também faz isso. É
uma lição do cinema independente americano."
Dhalia também ressalta a
participação de Selton Mello
como "fator definidor" na feitura do filme, não só porque
trabalhou de graça, mas porque
ele queria um ator carismático.
"E o Selton tem este perfil, é
carismático. Veio da televisão,
mas ao mesmo tempo se voltou
contra isso, abandonou, só faz
cinema há um tempão e aposta
em coisas em que acredita."
Depois do "Cheiro"
Depois de "Nina" e "O Cheiro
do Ralo", dois filmes "sobre jogos de poder, com personagens
claustrofóbicos", Dhalia se prepara para rodar os projetos que
o levaram à O2: "À Deriva", drama com tintas autobiográficas,
"não tão negro como os outros". E um longa sobre a missão brasileira no Haiti. "O roteiro está entre "O Jardineiro
Fiel", "Cidade de Deus" e "Batalha de Argel". Será o grande divisor de águas da minha carreira. E tudo isso veio impulsionado pelo "Cheiro"."
O CHEIRO DO RALO
Direção: Heitor Dhalia
Com: Selton Mello, Paula Brown, Sílvia Lourenço, Lourenço Mutarelli
Quando: a partir de hoje no Bristol, Espaço Unibanco e circuito
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