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Filme mostra futebol e SP dos anos 50
Em "O Craque", que se decompõe na Cinemateca, há jogo real de lendário time do Corinthians e namoro em barco no Tietê
Longa é dos primeiros de Eva Wilma, que se diz triste com a situação; o jornalista Alberto Dines lembra seu trabalho como roteirista
Reprodução Rafael Andrade/Folha Imagem
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Carlos Alberto e Eva Wilma em cena do longa-metragem nas margens floridas do límpido Tietê
LAURA MATTOS
EDUARDO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
MALU TOLEDO
DA SUCURSAL DO RIO
Poucos carros circulam pelas
ruas de São Paulo, namorados
passeiam de barco pelas águas
cristalinas do Tietê e apreciam
as margens floridas. O estádio
do Pacaembu, em uma vizinhança de raros prédios, recebe
damas com belos vestidos e cavalheiros de terno, enquanto
jogadores lendários do Corinthians posam para uma foto em
frente à concha acústica.
O retrato dessa cidade bucólica da década de 50 e de um futebol ainda romântico, quase
amador, corre o risco de virar
pó, literalmente, em um depósito da Cinemateca Brasileira
do Estado de São Paulo.
Os negativos de "O Craque",
de 1953, o mais antigo longa-metragem nacional com o futebol como pano de fundo que
não se perdeu com o tempo, estão em "estágio de deterioração
muito avançada, provavelmente com partes irrecuperáveis",
segundo laudo expedido pela
Cinemateca no final de 2007.
Não há nenhuma cópia em
bom estado, só trechos em
VHS, assistidos pela Folha. O
material está com a publicitária Patrícia Civelli, 57, filha de
Mário Civelli (1923-93), produtor de "O Craque" e de outros
filmes dos anos 1950 e 1960.
Desde a morte do pai, ela
tenta restaurar sua obra. Com
apoio da Petrobras, acaba de
recuperar o documentário "O
Gigante" (1969), censurado na
ditadura militar. A cópia restaurada será exibida em abril
no festival É Tudo Verdade.
Ela busca patrocínio para "O
Craque", cuja restauração, calcula, levaria cerca de um ano e
custaria R$ 1,8 milhão.
Corinthians x Uruguai
"O Craque" é protagonizado
por Eva Wilma, Carlos Alberto
(1925-2007) e Herval Rossano
(1933-2007). Mostra um jogo
real entre Corinthians e o
Olímpia, do Paraguai, que na
história é um temido time uruguaio. "O Corinthians encara
nesta tarde, desportistas amigos, o Carrasco de Montevidéu,
o campeão do Uruguai", narra
Blota Júnior (1920-1999).
O time que aparece no filme
foi um dos mais importantes da
história alvinegra ao conquistar o título do Quarto Centenário de São Paulo (1954). Era formado por craques como o goleiro Gilmar e os atacantes Baltazar, Cláudio e Carbone.
O longa acaba com a vitória
corintiana de virada, uma revanche fictícia à amarga derrota da seleção brasileira na final
da Copa de 50, no Maracanã.
O universo futebolístico,
com cenas da partida, de treinos, vestiários e do Parque São
Jorge, entre outras, serve como
pano de fundo para o romance
de Elisa (Eva Wilma) e Julinho
"Joelho de Vidro" (Carlos Alberto), que tinha o apelido em
razão de uma queda sofrida na
infância. Rico industrial, o pai
da mocinha não aceita o namoro da filha com um jogador em
busca do sucesso e a pressiona a
ficar noiva do jovem médico
Mário (Herval Rossano).
Em um final feliz, Julinho,
com o joelho recuperado, se
consagra ao substituir Carbone, no papel dele mesmo, fazer
o gol da vitória corintiana e beijar a mocinha. "Ele ficou com
todos os meus gols", lembra
Carbone, hoje com 80 anos, que
no filme teve de deixar a partida em uma maca, com crise de
apendicite.
Quase 60 anos após as filmagens, poucas testemunhas restam. Além de Carlos Alberto e
Rossano, já morreram quase
todos os jogadores do Corinthians, o diretor do filme, José
Carlos Burle, o produtor Mário
Civelli e dois dos roteiristas.
O terceiro é o jornalista Alberto Dines, 76, que guarda fotos das filmagens e originais do
roteiro em amarelados papéis
datilografados. "Lembro que
chegamos a pensar em algo
dramático, inspirado no cinema americano de beisebol e boxe, mas o Civelli queria uma comédia romântica comercial",
conta Dines, contratado aos 21
anos pelo produtor após fazer
uma entrevista com ele para a
revista "Visão", na qual era repórter e crítico de cinema.
Eva Wilma, que hoje interpreta a vilã da novela das seis da
Globo, "Desejo Proibido", lamenta a situação do filme, um
dos três de seu primeiro ano no
cinema. "É triste, angustiante.
É não só um registro da história
do cinema, como dos costumes
e de São Paulo. Eu me lembro
da cena em que conversava
com o Carlos Alberto na margem do Tietê."
Latas
Os negativos originais de "O
Craque" foram entregues por
Mário Civelli à Cinemateca em
1989, segundo Patricia de Filippi, diretora da instituição e
coordenadora do laboratório
de restauração. Ela afirma que
um laudo de 1993 atestou que o
material apresentava "evidentes sinais de deterioração". "Os
negativos devem ter sido armazenados em condições não
ideais por 40 anos. Estamos em
um país tropical, quente e úmido, exatamente o contrário do
que exige a preservação", diz.
E a Cinemateca só passou a
ter câmaras climatizadas em
2000. Hoje, segundo ela, as oito
latas com negativos de imagens
do filme e outras oito com negativos do som ficam a 10º e
35% de umidade relativa do ar.
Apesar disso, a obra corre o risco de desaparecer.
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