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LUIZ FELIPE PONDÉ
A escolha
Escolheria minha filha, mesmo sabendo que meu ato implicou a morte de seres inocentes
TEMA DURO esse da menina estuprada em Pernambuco. O
debate sobre aborto é difícil
porque reúne forças sociais antagônicas. Os pró-aborto são tão duros
quanto os católicos: é um diálogo de
surdos. As crenças que alimentam a
posição católica são nulas para os
não-crentes.
Para os antiaborto, legalizar o
aborto é legalizar uma forma de homicídio. Seria você menos radical se
visse seu país tornar prática legítima
um tipo de homicídio? Por outro lado, seria você menos radical se visse
os religiosos te proibirem de se livrar de um problema (o feto) somente porque eles creem em algo
que você não crê?
A violência dos pró-aborto vem da
relação entre aborto e liberdade:
proibir o aborto é tornar a mulher
presa da mecânica reprodutiva. Sem
precisar ir fundo na filosofia latente
nessa posição, é evidente a negação
da humanidade do feto nesse caso. O
feto não seria mais do que um punhado de células.
Daí todo o infeliz debate acerca de
uma definição "científica" da vida:
os pró-aborto precisam se resguardar numa definição "científica" do
que não seja humano (ou seja, desumanizar o feto) para não serem vistos como exterminadores de vítimas
indefesas.
Do ponto de vista do Estado laico,
legalizar o aborto pode ser visto apenas como um ato dentro do princípio político de tolerância, no qual o
Estado "passa a bola" para o indivíduo e suas instâncias sociais: as pessoas que decidam, quem julgar "crime" não faça, quem não julgar "crime" que faça. Evidente que para os
antiaborto, esse passo não é tolerante para com a vítima (o feto), que não
tem voz ativa no processo. A própria
ideia de crime de fato já desapareceu. De novo, seria como deixar ao
assassino a decisão livre de matar ou
não.
Outro fato que torna esse debate
viciado é o preconceito contra a
Igreja Católica, aliás, o único preconceito aceito pelos "inteligentes".
Daí o desfile de expressões banais
como "Inquisição", "Idade Média"
ou "trevas". Puro senso comum. A
igreja não é estúpida. Estúpido é
quem pensa que ela o seja. Sua herança de 2.000 anos atesta a vida de
uma instituição que soube atravessar séculos frequentando todas as
trincheiras do mundo.
Para os pró-aborto, a máxima iluminista "O mundo só terá paz quando o último rei for enforcado nas tripas do último papa" continua sendo
um princípio político. Infelizmente,
grande parte dos estudos "científicos" sobre a Igreja Católica sofre do
mesmo preconceito banal.
A identificação medíocre dela
com mera instância de opressão vicia a reflexão, principalmente porque muitos desses estudiosos partilham da mesma máxima iluminista.
Ao contrário, a igreja exerce hoje um
(solitário) papel essencial como instituição que relativiza as obviedades
modernas, entre elas o de nos lembrar da desumanização silenciosa
do feto que opera no fundo dos argumentos pró-aborto.
Mas o caso da menina em Pernambuco tem dois agravantes: o suposto risco de vida da "mãe", uma
menina de nove anos, e a violência
sexual por parte do padrasto. Ambos
tornam o aborto legítimo perante a
lei. Aqui se agrava, aos meus olhos, o
ruído de grande parte do debate.
Fosse minha filha a menina de nove anos, eu não pestanejaria, faria o
aborto. A ideia de ela correr risco por
culpa de um canalha me levaria a fúria. Entre perder minha filha e a eliminação de dois bebês "estranhos",
optaria pela eliminação dos bebês.
Não usaria eufemismos. Não pediria
para que me considerassem um
guerreiro da luz contra as trevas
nem pediria palmas. Aceitaria a culpa como parte da escolha. Fosse eu o
médico envolvido no procedimento,
tampouco pestanejaria. Mas não veria aí a vitória da ciência contra a religião, mas uma dura decisão num
campo de batalha: qual das vítimas
deve morrer?
Para além da insensibilidade do
bispo e das banalidades de quem se
julga um agente da luz contra as trevas, acho essencial que alguém continue repetindo, mesmo sendo enxovalhado, que em meio às agonias
dos seres humanos sempre existem
vítimas silenciosas.
A história está cheia de exemplos
de desumanização política e "científica" a serviço do extermínio.
Logo existirão cientistas que gritarão em favor do uso de fetos abortados em pesquisa. Por que o desperdício?
De minha parte, repito, escolheria
minha filha, sabendo que meu ato
implicou a morte de seres inocentes,
mas a paixão por minha filha me impediria o luxo de ter princípios.
luiz.ponde@grupofolha.com.br
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