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CONTOS/"NOTAS DE ARREBENTAÇÃO"
Mirisola volta a encarar seus demônios
SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
O horror de Marcelo Mirisola corre sob a pele, cresce
entre os pêlos, se espalha como tecido adiposo. Podemos chamá-lo
de encosto, obsessão ou simplesmente testosterona. Mas, em sua
melhor expressão, assume o título
nobre de literatura.
Em sua "Notas da Arrebentação", uma antologia de contos,
novela, carta e peça de teatro, Mirisola enfrenta novamente seus
demônios e dá um boa amostra
do universo que lhe tornou célebre. Começa com "Carta para o
Gombro", dirigida ao escritor Juliano Garcia Pessanha, e termina
com a peça "Luto", um monólogo
derramado. Ótimas escolhas de
abertura e fechamento do livro,
que funcionam também como
um acerto de contas do autor com
seus leitores, com sua obra e com
seus "exus". Pois se a carta, por
sua própria função, permite que o
autor faça esse acerto dialogando
com um colega, a peça é a reflexão
de Mirisola perante o público. E,
apesar das intenções intelectuais e
do tom "cerebral" de seu discurso, são nesses dois momentos que
Marcelo Mirisola se torna mais
delicado e verdadeiro.
Os quatro contos e a novela
apresentam o típico universo mirisolano, a zona nobre da prostituição paulistana, com suas transas intermináveis, mulheres marcadas de estrias e desencontros
amorosos. Num tom próximo ao
"beat", seus narradores se perdem em suas masculinidades à
medida em que estão sempre se
opondo à feminilidade das mulheres com quem cruzam. Assim,
caracteriza-se o masculino por
sua incapacidade, pelos pontos
falhos de encaixe com o outro. E,
como Jack Kerouac, o narrador
de Mirisola é um maldito prestes a
voltar aos braços da mãe.
O conjunto de contos foi chamado "Quatro Amores", já a novela se intitula "Um Crime". Poderíamos posicionar o ilícito e o
afetivo de forma inversa, se considerarmos adultério como crime e
casamento como amor. Mas, dentro da lógica mirisolana, a divisão
estabelecida faz sentido.
Não podemos, no entanto, nos
deixar assustar pelo falso horror
do tema. Seus textos trazem o
tempo todo pequenas pérolas,
gracejos e citações que aliviam o
peso e dão à obra a possibilidade
de uma leitura pop. Adolescentes
heterossexuais fãs de Beavis e
Butthead podem descobrir o prazer de ler nas sacanagens de Mirisola. E isso é ótimo. Por mais que
existam as referências à alta literatura, o livro está carregado de citações a Evandro Mesquita,
Sandy & Junior e até ao boneco
Brasilino: "Pra mim, tudo tem de
ser literário. O Brasilino não é literário. Ou é?". Pode ser. Apesar do
termo "literatura pop" ser quase
paradoxal, visto que o pop é uma
expressão que visa gerar identificação com a massa que deve estar
lendo outro tipo de coisa, podemos atrelar o rótulo à obra no
momento em que ela se utiliza de
referenciais do grande público
para fisgar o leitor e gerar um sorriso. Nesse momento, Mirisola
mostra que tem total domínio de
seus demônios e que é um escritor
pop de primeira linha.
Santiago Nazarian, escritor, é autor de
"A Morte Sem Nome" e "Feriado de Mim
Mesmo" (ed. Planeta)
Notas da Arrebentação
Autor: Marcelo Mirisola
Editora: 34
Quanto: R$ 25 (128 págs.)
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