São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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Baby boom


Com títulos como "Baby Einstein" e "Baby Mozart", DVDs feitos para bebês conquistam mercado no Brasil, que já tem produção própria; veja a opinião de especialistas
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A série infantil norte-americana "Sesame Street", cuja versão brasileira foi batizada de "Vila Sésamo" e protagonizada por Sônia Braga nos anos 70, está no meio de uma fervorosa polêmica que envolve pais, educadores e pediatras. Motivo: o lançamento de uma linha de DVDs para bebês.
"Sesame Street Beginnings" se soma à onda do "baby videos", que teve um "boom" com o recente crescimento do mercado de DVDs. São vídeos extremamente coloridos e musicais, capazes de hipnotizar o mais agitado dos bebês e de arrancar as primeiras gargalhadas dos pequenos.
O segmento mostrou-se lucrativo ao vender para os pais a idéia de uma ferramenta educativa para o início da vida dos filhos. A mistura de imagens de bebês, figuras de seu cotidiano (brinquedos, bichos, parques), animação e bonecos de manipulação seria estimulante e colaboraria com o desenvolvimento.
As produções normalmente contam com consultoria de pedagogos e o respaldo de profissionais da saúde e da educação. Alguns especialistas, no entanto, afirmam não haver comprovação científica dos supostos benefícios propagados pelas empresas. Outros, respaldados pela Academia Americana de Pediatra, dizem não ser aconselhável expor menores de dois anos à televisão.
Se há quase dez anos as discussões ficavam restritas aos prós e contras da produção inglesa "Teletubbies", hoje são inúmeros os títulos de DVDs cujo público-alvo tem de zero a dois, três anos.
No Brasil, o crescimento da venda dos estrangeiros estimulou a produção nacional. A série "Bebê Mais", desenvolvida por uma produtora de São Paulo, prepara-se para lançar o sétimo DVD e já vendeu mais de 100 mil cópias, ótimo resultado no país, especialmente para um produto tão segmentado. A partir deste ano, será vendida na América Latina e a distribuição na França e em Portugal está sendo negociada.
O "Bebê Mais" segue o esquema do "Baby Einstein", um "case" norte-americano (como os publicitários se referem a histórias de sucesso). O projeto foi criado em 1997 pela professora de arte e literatura Julie Aigner-Clark, que não encontrou no mercado nada nesses moldes para a filha. Um dos primeiros vídeos foi o "Baby Mozart", fruto do "efeito Mozart" da década de 90, quando pesquisas associaram a audição de músicas do compositor a um Q.I. elevado.
Julie começou a fornecer às amigas, veio o boca-a-boca e, após cinco anos, vendeu a marca para a Disney por mais de US$ 20 mi.

Limites
Aos seis meses, Matheus normalmente ri diante dos DVDs do "Baby Einstein" (apesar de ter posado com carinha de sério para a foto desta página). Sua mãe, a coordenadora de eventos Lana Cancela, 28, colocou o DVD para ele pela primeira vez aos três meses. "Ele ficava entretido. Como estávamos sozinhos, eram os minutos que precisava para preparar o banho." Com o tempo, Matheus passou a interagir mais, mexendo os braços e balbuciando. Lana costuma colocar um vídeo -com duração aproximada de 20 minutos- por dia para o filho. "E fico atenta para perceber os sinais de que ele se cansou."
Esse tipo de controle é o que recomenda a maioria dos especialistas consultados pela Folha. "É importante que os pais percebam o limite de cada criança. Ela dá mostras desviando a atenção, e não se deve insistir para que assista ao vídeo", afirma Fernando Ramos, membro do departamento de Infância e Adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Para ele, é bom que os pais não criem expectativas de que esse tipo de DVD tornará o "bebê mais inteligente, um Einstein". "Não há pesquisa que confirme benefícios desse estímulo precoce. Em excesso, o DVD pode ser contraproducente. Eles são conseqüência da ansiedade da classe média de preparar os filhos cada vez mais cedo para o mercado competitivo. O que pode haver de bom nos vídeos é criar um espaço de sociabilização com os pais, que devem assisti-los com o filho."

Efeito calmante
Rodrigo, de 1 ano e sete meses, adora DVDs para bebês, segundo sua mãe, a estudante Jaqueline Monteiro Pena, 23. Ele os assiste cerca de quatro horas por dia. Jaqueline diz que é "muito elétrico" e que se acalma com os DVDs.
Esse "efeito tranqüilizante" é observado por várias mães. Fábio Ancona Lopez, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor de pediatria da Unifesp, acredita que seja gerado pelas músicas. Contrário aos DVDs para bebês, critica o selo "educativo". "Tudo isso é ótimo para os fabricantes. Para os bebês, não muda nada. Eles estão em idade de aprender o quê? Comer, andar, falar, fazer xixi e cocô não é o suficiente? Didático é mostrar o mundo e não a TV. Pegue seu filho no colo e mostre o sol, o cachorro."
Verônica Cavalcante, presidente do Departamento Científico de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, avalia que o "boom" desses DVDs é "conseqüência da vida louca que levamos hoje, em que temos cada vez menos tempo para a família".
Ela afirma ser importante controlar o acesso dos bebês à tela, mas admite que pode ser útil em determinadas situações. "A mãe chega em casa cansada e precisa se recompor antes de dar atenção ao bebê. Com um DVD, ele irá solicitá-la com menor intensidade. Pode ser o tempo que ela precisa para se reequilibrar." Mas adverte: "É importante que, depois disso, a TV seja desligada para que o contato com a criança seja pleno."
Para Francesco Civita, diretor-geral da "Bebê Mais", "há muito preconceito com a tela, que se confunde com a programação da televisão". "A tela é um meio, e seu conteúdo pode ser controlado pelos pais. Usar um DVD para mostrar figuras a um bebê é como abrir para ele um livro".


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