|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/DVD
"Ensaio" mostra Adoniran como personagem interessante
Sob direção de Fernando Faro, especial da TV Cultura foi realizado em 1972
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Até o nome Adoniran
Barbosa foi inventado
(ele nasceu João Rubinato). O compositor que se tornou sinônimo do samba de São
Paulo é um personagem, no que
isso tem de genial e de incômodo. As duas faces se mostram na
entrevista de 1972 para o programa "Ensaio", da TV Cultura,
agora lançada em DVD.
"Entrevista" talvez nem seja
a palavra certa. Em primeiro
lugar, porque muito do que ele
fala não se entende, dada a dicção tenebrosa -não só para ouvidos cariocas, certamente.
E, depois, as tentativas de
Fernando Faro de encadear
uma conversa linear desmoronam diante das lembranças nebulosas -e envoltas na literal
fumaça dos cigarros sorvidos
até a guimba- do compositor.
O negócio é relaxar, como parece fazer Faro, e ouvir as músicas. A dificuldade de Adoniran
para acertar tons e andamentos
é constante. Poucas letras ele
conclui. A magistral "Filosofia"
(Noel Rosa), uma das duas
alheias que canta, recebe a pior
interpretação de sua história.
Personagem tipificado, na linha de Cantinflas e Mazzaropi,
o compositor Adoniran funciona em seu universo (dramático
e real): o dos biscateiros de São
Paulo, o dos boêmios do velho
centro, o dos homens "alcoolatrados", o das mulheres que
apanham (gostando ou não), o
dos Jocas e Mato Grossos que
perdem suas malocas e se resignam, todos falando de modo
teatralmente errado.
"O certo é "drome" e "dregau'",
enfatiza ele, brincando.
"Saudosa Maloca" e "Abrigo
de Vagabundos" fazem um par
muito bonito. "Samba do Arnesto" é irresistível no seu humor. "Mãe Eu Juro" tem poesia
no seu mundo cão. "Prova de
Carinho" é engenhosa no mote:
"Com a corda mi do meu cavaquinho/ Fiz uma aliança para
ela, prova de carinho".
E, escolhida para fechar o
programa, "Trem das Onze" é
ótima para se cantar, o que ajuda a explicar por que virou uma
obra-prima sem sê-lo.
Adoniran é um compositor
superestimado, estando no nível do segundo time dos sambistas cariocas. Mas, com a bagagem de quem foi bom ator e
radialista, compôs um personagem que é realmente muito interessante e espelha com graça
e melancolia uma parte fundamental de São Paulo.
"Nunca morei no Bexiga nem
em Jaçanã", ironiza ele no programa, para mostrar que um
bom ator não é escravo de laboratórios para criar seus papéis.
O lançamento do DVD vale por
isso, e por isso Adoniran nunca
será esquecido.
ADONIRAN BARBOSA -
PROGRAMA ENSAIO
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 43, em média
Avaliação: regular
Texto Anterior: Guilherme Wisnik: Do mecânico ao energético Próximo Texto: Conheça Adoniran em livros e CDs Índice
|