São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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Crítica/DVD

"Ensaio" mostra Adoniran como personagem interessante

Sob direção de Fernando Faro, especial da TV Cultura foi realizado em 1972

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Até o nome Adoniran Barbosa foi inventado (ele nasceu João Rubinato). O compositor que se tornou sinônimo do samba de São Paulo é um personagem, no que isso tem de genial e de incômodo. As duas faces se mostram na entrevista de 1972 para o programa "Ensaio", da TV Cultura, agora lançada em DVD.
"Entrevista" talvez nem seja a palavra certa. Em primeiro lugar, porque muito do que ele fala não se entende, dada a dicção tenebrosa -não só para ouvidos cariocas, certamente.
E, depois, as tentativas de Fernando Faro de encadear uma conversa linear desmoronam diante das lembranças nebulosas -e envoltas na literal fumaça dos cigarros sorvidos até a guimba- do compositor.
O negócio é relaxar, como parece fazer Faro, e ouvir as músicas. A dificuldade de Adoniran para acertar tons e andamentos é constante. Poucas letras ele conclui. A magistral "Filosofia" (Noel Rosa), uma das duas alheias que canta, recebe a pior interpretação de sua história.
Personagem tipificado, na linha de Cantinflas e Mazzaropi, o compositor Adoniran funciona em seu universo (dramático e real): o dos biscateiros de São Paulo, o dos boêmios do velho centro, o dos homens "alcoolatrados", o das mulheres que apanham (gostando ou não), o dos Jocas e Mato Grossos que perdem suas malocas e se resignam, todos falando de modo teatralmente errado.
"O certo é "drome" e "dregau'", enfatiza ele, brincando. "Saudosa Maloca" e "Abrigo de Vagabundos" fazem um par muito bonito. "Samba do Arnesto" é irresistível no seu humor. "Mãe Eu Juro" tem poesia no seu mundo cão. "Prova de Carinho" é engenhosa no mote: "Com a corda mi do meu cavaquinho/ Fiz uma aliança para ela, prova de carinho".
E, escolhida para fechar o programa, "Trem das Onze" é ótima para se cantar, o que ajuda a explicar por que virou uma obra-prima sem sê-lo.
Adoniran é um compositor superestimado, estando no nível do segundo time dos sambistas cariocas. Mas, com a bagagem de quem foi bom ator e radialista, compôs um personagem que é realmente muito interessante e espelha com graça e melancolia uma parte fundamental de São Paulo.
"Nunca morei no Bexiga nem em Jaçanã", ironiza ele no programa, para mostrar que um bom ator não é escravo de laboratórios para criar seus papéis.
O lançamento do DVD vale por isso, e por isso Adoniran nunca será esquecido.


ADONIRAN BARBOSA - PROGRAMA ENSAIO
Gravadora:
Biscoito Fino
Quanto: R$ 43, em média
Avaliação: regular


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