São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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NELSON ASCHER

Lições de Virginia Tech


Diga-me qual a tua interpretação para o massacre nos EUA e eu te direi quem és

TERÇA-FEIRA PASSADA , Cho Seung-hui, estudante sul-coreano de 23 anos, cuja família se estabelecera em 1992 nos EUA, matou a tiros, entre colegas e professores, 32 pessoas no Instituto Politécnico da Virgínia (Virginia Tech), onde estudava Letras. Por que o rapaz, armado com duas pistolas que adquirira, perpetrou esse massacre e como isso foi possível?
A resposta é simples, óbvia e só não a aceitam aqueles que se deixaram voluntariamente cegar por algum tipo de propaganda maliciosa.
É fácil adquirir armas de fogo nos Estados Unidos, bem mais do que na Europa e no Brasil. Armas, como se sabe, matam (como, aliás, caminhões cheios de fertilizante, bombas caseiras, facões etc.). Um homicida atacadista sempre vai dispor ali das ferramentas necessárias para realizar seu trabalho. Além disso, como na Virginia Tech as armas eram rigorosamente proibidas, nenhuma das vítimas potenciais dispunha dos meios para se defender de alguém disposto a transgredir as leis e as normas locais. Caso algum estudante estivesse armado, ele poderia ter parado o assassino.
As escolas e universidades norte-americanas são competitivas, voltadas para o mercado. Os alunos são, desde cedo, qualificados como "winners" (vencedores) ou "losers" (perdedores), e estes últimos amargam o desprezo, seja das instituições, seja dos colegas. A pressão é insuportável e, hora dessas, a corda arrebenta. Convém mencionar também que, nos EUA, os universitários são crianças mimadas que, não mais submetidas à disciplina e às exigências rigorosas de antigamente, vivem numa redoma artificial de bem-estar na qual os administradores fazem de tudo para que ninguém se sinta diminuído diante dos outros. Os sentimentos de todas as minorias, de quem quer que tenha uma reclamação, são protegidos pela imposição da correção política e, portanto, os jovens nunca estão preparados para enfrentar o mundo real.
Como a sociedade mais injusta, imperialista, militarista e violenta que já existiu, a americana é o caldo de cultura da violência individual, violência esta encorajada pelos meios de comunicação, videogames e pela ideologia do país. Jovens facilmente influenciáveis absorvem os valores oficiais e cometem barbaridades. Além disso, as instituições de ensino superior são verdadeiros centros de doutrinação anticapitalista e antiamericana, nos quais a democracia local é retratada como uma tirania. Professores, inclusive os de Letras, falam de culpa coletiva e pregam a destruição revolucionária do sistema. Alunos facilmente influenciáveis ouvem esse blábláblá e tomam a justiça nas próprias mãos.
Vale a pena acrescentar razões suplementares para o massacre. A guerra do Iraque, que legitimou a violência. Os protestos contra a guerra do Iraque, que indispuseram os americanos entre si. A repressão sexual, que canaliza a testosterona rumo a opções perigosas. A licença sexual, que leva aqueles que não se dão muito bem neste jogo a se tornarem rancorosos e vingativos. A discriminação de que são vítimas os imigrantes. O excesso de imigração, que não dá tempo aos recém-chegados de se adaptarem à cultura local. A miséria e a fome. A opulência e a obesidade. O aquecimento global.
E quanto a Cho Seung-hui? Ele, afinal, era o verdadeiro culpado. Ele era, afinal, a vítima principal. Cho era um narcisista que queria aparecer. Cho era um introvertido que queria desaparecer. Ele era um maluco anti-social cujos próprios colegas previam que certo dia faria uma dessas. Era um rapaz normal, enlouquecido por um ambiente cruel e predatório. Era um herói, um mártir corajoso que, com seu sacrifício, ajudou a punir uma sociedade injusta.
Todas as explicações acima e muitas outras, às vezes em combinações complexas, podem ser achadas na imprensa, na internet, na mídia em geral. Alguma faz sentido? Talvez. Todas juntas? Só numa multiplicidade de universos paralelos. Se há pouco de sério a dizer sobre Cho e o massacre, a variedade quase infinita de enfoques e interpretações aponta, porém, para algo interessante.
Poucas coisas despertam tanto a curiosidade humana como o crime, principalmente os assassinatos em massa, os hediondos e os inexplicáveis. Cada indivíduo ou grupo os interpreta de maneira a que façam sentido na sua visão mais ampla de mundo, mas de modo também a que não a refutem nem contradigam. Como o mistério mais fascinante neste vale de lágrimas, nada revela tão bem as crenças e a ideologia de uma pessoa quanto o modo segundo o qual ele ou ela busca explicar a criminalidade em geral e, em particular, o homicídio.


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