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NELSON ASCHER
Lições de Virginia Tech
Diga-me qual a tua interpretação para o massacre nos EUA e eu te direi quem és
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TERÇA-FEIRA PASSADA , Cho
Seung-hui, estudante sul-coreano de 23 anos, cuja família
se estabelecera em 1992 nos EUA,
matou a tiros, entre colegas e professores, 32 pessoas no Instituto Politécnico da Virgínia (Virginia Tech),
onde estudava Letras. Por que o rapaz, armado com duas pistolas que
adquirira, perpetrou esse massacre
e como isso foi possível?
A resposta é simples, óbvia e só
não a aceitam aqueles que se deixaram voluntariamente cegar por algum tipo de propaganda maliciosa.
É fácil adquirir armas de fogo nos
Estados Unidos, bem mais do que na
Europa e no Brasil. Armas, como se
sabe, matam (como, aliás, caminhões cheios de fertilizante, bombas
caseiras, facões etc.). Um homicida
atacadista sempre vai dispor ali das
ferramentas necessárias para realizar seu trabalho. Além disso, como
na Virginia Tech as armas eram rigorosamente proibidas, nenhuma
das vítimas potenciais dispunha dos
meios para se defender de alguém
disposto a transgredir as leis e as
normas locais. Caso algum estudante estivesse armado, ele poderia ter
parado o assassino.
As escolas e universidades norte-americanas são competitivas, voltadas para o mercado. Os alunos são,
desde cedo, qualificados como "winners" (vencedores) ou "losers" (perdedores), e estes últimos amargam o
desprezo, seja das instituições, seja
dos colegas. A pressão é insuportável e, hora dessas, a corda arrebenta.
Convém mencionar também que,
nos EUA, os universitários são
crianças mimadas que, não mais
submetidas à disciplina e às exigências rigorosas de antigamente, vivem numa redoma artificial de bem-estar na qual os administradores fazem de tudo para que ninguém se
sinta diminuído diante dos outros.
Os sentimentos de todas as minorias, de quem quer que tenha uma
reclamação, são protegidos pela imposição da correção política e, portanto, os jovens nunca estão preparados para enfrentar o mundo real.
Como a sociedade mais injusta,
imperialista, militarista e violenta
que já existiu, a americana é o caldo
de cultura da violência individual,
violência esta encorajada pelos
meios de comunicação, videogames
e pela ideologia do país. Jovens facilmente influenciáveis absorvem os
valores oficiais e cometem barbaridades. Além disso, as instituições de
ensino superior são verdadeiros
centros de doutrinação anticapitalista e antiamericana, nos quais a democracia local é retratada como
uma tirania. Professores, inclusive
os de Letras, falam de culpa coletiva
e pregam a destruição revolucionária do sistema. Alunos facilmente influenciáveis ouvem esse blábláblá e
tomam a justiça nas próprias mãos.
Vale a pena acrescentar razões suplementares para o massacre. A
guerra do Iraque, que legitimou a
violência. Os protestos contra a
guerra do Iraque, que indispuseram
os americanos entre si. A repressão
sexual, que canaliza a testosterona
rumo a opções perigosas. A licença
sexual, que leva aqueles que não se
dão muito bem neste jogo a se tornarem rancorosos e vingativos. A discriminação de que são vítimas os
imigrantes. O excesso de imigração,
que não dá tempo aos recém-chegados de se adaptarem à cultura local.
A miséria e a fome. A opulência e a
obesidade. O aquecimento global.
E quanto a Cho Seung-hui? Ele,
afinal, era o verdadeiro culpado. Ele
era, afinal, a vítima principal. Cho
era um narcisista que queria aparecer. Cho era um introvertido que
queria desaparecer. Ele era um maluco anti-social cujos próprios colegas previam que certo dia faria uma
dessas. Era um rapaz normal, enlouquecido por um ambiente cruel e
predatório. Era um herói, um mártir
corajoso que, com seu sacrifício, ajudou a punir uma sociedade injusta.
Todas as explicações acima e muitas outras, às vezes em combinações
complexas, podem ser achadas na
imprensa, na internet, na mídia em
geral. Alguma faz sentido? Talvez.
Todas juntas? Só numa multiplicidade de universos paralelos. Se há
pouco de sério a dizer sobre Cho e o
massacre, a variedade quase infinita
de enfoques e interpretações aponta, porém, para algo interessante.
Poucas coisas despertam tanto a
curiosidade humana como o crime,
principalmente os assassinatos em
massa, os hediondos e os inexplicáveis. Cada indivíduo ou grupo os interpreta de maneira a que façam
sentido na sua visão mais ampla de
mundo, mas de modo também a que
não a refutem nem contradigam.
Como o mistério mais fascinante
neste vale de lágrimas, nada revela
tão bem as crenças e a ideologia de
uma pessoa quanto o modo segundo
o qual ele ou ela busca explicar a criminalidade em geral e, em particular, o homicídio.
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