São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2008

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Operação China

Diretor Lik Wai filma em São Paulo "Plastic City", cuja trama envolve a máfia chinesa e a miséria brasileira

Fernando Donasco/Folha Imagem
O protagonista Kirin (Odajiri Jo) em cena de luta gravada ontem

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Plastic City" é um filme chinês que está sendo rodado no Brasil ou um longa brasileiro dirigido por um chinês, o cineasta Yu Lik Wai, de "All Tomorrow's Parties" (2003).
Ambas as definições se aplicam a essa co-produção de R$ 5,5 milhões, na qual os dois países compartem os aspectos criativos e operacionais e em que São Paulo é a cidade plastificada onde a máfia chinesa e as crianças brasileiras abandonadas à rua se amalgamam.
Uma equipe de 150 pessoas (entre brasileiros e chineses) virou ontem a madrugada num estúdio cinematográfico a caminho de Cotia, para filmar uma das cenas-chave da trama.
As gangues do protagonista Kirin (um imigrante chinês interpretado pelo ator japonês Odajiri Jo) e de seu antagonista Not Dead (um gângster cubano vivido pelo brasileiro Milhem Cortaz) enfrentam-se numa decisiva batalha à ponta de faca e espada.
Na tela, a luta se dará sobre uma ponte que "é ainda construção e já é ruína". Graças a um truque proporcionado pela tecnologia digital, uma imagem em polaróide que o fotógrafo Cássio Vasconcellos fez da ainda inacabada obra do Fura-Fila (projeto lançado em 1996 pela candidatura Celso Pitta), na avenida do Estado, será superposta ao cenário real das filmagens: o fundo verde do estúdio.

Porto em São Paulo
Na São Paulo de Lik Wai neva e há um porto (que na realidade se encontra em Santos), por onde desembarca a mercadoria ilegal. O diretor diz buscar com seu filme "não uma expressão realista da cidade, mas sim uma observação subjetiva".
A história de "Plastic City" foi escrita a quatro mãos pelo cineasta chinês e o roteirista brasileiro Fernando Bonassi.
No ponto de partida do projeto, estava a saga real do empresário chinês apontado pela polícia como contrabandista Law Kin Chong. Essa vertente foi abandonada.
"O filme não é a biografia de um gângster. O que me interessa é a contradição entre a realidade cotidiana de um gângster e a sua vida espiritual", afirma Lik Wai. Por isso, o diretor imaginou o longa com elementos narrativos do filme noir e do thriller psicológico.
O mundo interior dos gângsteres de "Plastic City" é de "solidão, isolamento e sensação de fragilidade", segundo o diretor.
A escolha do japonês Odajiri Jo, 32, para interpretar o protagonista chinês foi determinada por sua aparência "crível para o papel", que ele descreve como a de "um homem moderno; ao mesmo tempo muito asiático e muito ocidentalizado".
Adotado quando criança pelo chefão do contrabando de produtos chineses Yuda (Anthony Wong), Kirin (Jo), na vida adulta, herda do homem que o criou os negócios e os inimigos.

Rivalidade
Uma desavença com outro líder da máfia chinesa desemboca na luta filmada ontem.
Not Dead acrescenta um aspecto de rivalidade pessoal na disputa com Kirin, quando passa a cobiçar a mesma mulher que ele -Rita (Tainá Müller).
O diretor ofereceu o papel a Müller depois de ver sua performance em "Cão sem Dono", de Beto Brant. "Ela me pareceu muito talentosa e com um grande potencial a explorar."
Lik Wai é colaborador freqüente, como fotógrafo, do superpremiado diretor chinês Jia Zhang-ke ("O Mundo", "Em Busca da Vida"). "Plastic City", é seu terceiro longa como diretor. Antes de começá-lo, ele avistou como "amedrontadora" a perspectiva de dirigir em outra língua.
Nas seis semanas de trabalho já transcorridas no Brasil (serão sete no total), as "barreiras lingüísticas" se confirmaram para o diretor como a principal dificuldade da empreitada.
O set de "Plastic City" é trilíngüe. Jo possui um intérprete do japonês para o chinês, que auxilia sua comunicação com Lik Wai. Intérpretes do chinês para o inglês ou para o português garantem a comunicação da equipe trazida por Lik Wai de seu país com os profissionais brasileiros. Tradutoras do português para o inglês fazem a ponte entre o diretor e os atores brasileiros que dominam apenas a língua-materna.

Comandos
Os comandos gerais são ditos sempre em português e, em seguida, em inglês. Assim, a toda "Ação!" corresponde um "Action!"; a todo "Silêncio, por favor!", segue um "Silence, please!" na rotina das filmagens.
"Óbvio que foi difícil [integrar as equipes profissionais]", afirma o produtor brasileiro Caio Gullane. "São muito diferentes as maneiras com que se produz na China e no Brasil", diz ele, que, no entanto, faz um balanço da experiência como sendo de aprendizado mútuo.
"Os caras não têm preguiça. São empolgados e dispostos. Acho que aprendemos com eles o destemor de ousar", cita.
E o que os brasileiros ensinaram aos chineses? "Uma certa logística e organização para filmar", supõe.


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