São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2010

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Crítica/"Alice no País das Maravilhas"

Moralista, "Alice" de Burton decepciona por pouca imaginação

Recriação da obra de Lewis Carroll tem visual arrebatador, mas peca por tom aventuroso e personagens sem vida

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

A união artística entre o escritor britânico Lewis Carroll e o cineasta americano Tim Burton parecia destinada a se tornar um casamento perfeito, já que ambos são brilhantes cultores da fantasia. Mas "Alice no País das Maravilhas" é, sob vários aspectos, uma decepção.
Como já havia feito nas adaptações de materiais não originais (como os dois "Batman" e "A Fantástica Fábrica de Chocolate"), Burton busca um olhar próprio para um universo já conhecido. Em vez de simplesmente transpor o livro, cria uma premissa nova.
Alice (Mia Wasikowska) é uma garota de 19 anos diante do dilema de aceitar ou não um casamento de conveniência. Na hora do pedido, corre atrás de um coelho, cai no buraco que a leva ao país das maravilhas e encontra personagens como o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) e o Gato de Cheshire.
A partir daí, duas questões se instauram. Será ela a mesma Alice que visitou o lugar ainda criança? Será ela capaz de libertar o país da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) e reconduzir a Rainha Branca (Anne Hathaway) ao poder?
O primeiro problema da recriação é introduzir, no prólogo e no epílogo "realistas", uma moral da história onde não havia antes. O conflito entre convenção e imaginação é encenado de forma convencional e pouco imaginativa, ainda mais se comparado à obra de Burton.
Já a parte não realista do filme, passada no país das maravilhas, tem outra limitação. Em vez de se esbaldar com o fantástico material de origem, Burton adota aquele tom aventuroso meio genérico, de sucessivas perseguições e batalhas, que domina séries como "Harry Potter" e até mesmo "O Senhor dos Anéis".
Como de hábito na obra de Burton, o visual é arrebatador, incluindo aí cenários, figurinos e composições dos personagens. Mas, como em seus trabalhos mais frágeis ("A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça"), o esforço estético é tão intenso que parece sobrar pouca energia para dar vida aos personagens.
O resultado lembra um desfile de moda belíssimo, mas frio, mecânico, artificial -sensação reforçada pela interpretação maneirista, calcada em trejeitos, de Depp e Hathaway.
Burton é um dos autores fundamentais do cinema contemporâneo (e não será "Alice" que irá lhe roubar o status). Esse fato abre a possibilidade de uma conclusão confortável: dizer que um filme equivocado de um autor é mais relevante do que uma boa produção de alguém que não tem tal título.
Mais justo será afirmar que o maior êxito comercial da carreira de Burton é um de seus trabalhos menos memoráveis.


ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Diretor: Tim Burton
Produção: EUA, 2010
Com: Johnny Depp, Helena Bonham Carter e Mia Wasikowska
Onde: nos cines Bristol, Espaço Unibanco Pompeia e circuito
Classificação: 10 anos
Avaliação: regular




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