São Paulo, sábado, 23 de abril de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE "Poltrona 27" tem sabor, mas falta um pouco de tempero Obra reproduz com talento os relatos orais do interior de Minas, oscilando entre o tom coloquial e o formal NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA "Poltrona 27", o último romance de Carlos Herculano Lopes, carrega, em sua aparente simplicidade de narrativa de "causos", algumas duplicidades interessantes. O foco da narração oscila interminável e sempre subitamente entre a primeira e a terceira pessoa, passando de relatos indiretos para uma prosa mais próxima e presente. Os tempos verbais balançam entre o presente e o passado, provocando o mesmo efeito de maior e menor distanciamento. A linguagem pendula entre um registro um pouco mais formal, literário, nos momentos indiretos, e um registro bem mineiro, coloquial, na forma mais direta da narrativa, quando é quase possível ouvir o contador do caso. DUPLICIDADE E são casos também duplos em sua variação de simplicidade, regionalismo, como o hábito de fazer farofa dos bagos dos bois castrados, e tragédias pessoais e familiares, como a mulher que perdeu os três filhos e o marido numa enchente e a saga de algumas gerações de uma família libanesa. Praticamente todos os casos são contados a partir da poltrona 27, em que o narrador, também duplamente o próprio autor e um narrador por sua vez inventado, tem o hábito de sentar-se para visitar suas terras, uma vez por mês, no interior de Minas Gerais. Como mostra Silviano Santiago no posfácio do livro, o registro da obra pode ser compreendido como um gênero "definido pelos teóricos franceses como autoficção. Nem autobiografia nem romance, os dois gêneros ao mesmo tempo". Uma nomeação e um gênero peculiares, já que, como muitos teóricos vêm afirmando, tanto na história quanto na literatura, não há biografia que não seja ao menos minimamente ficcional, assim como a ficção mais acirrada sempre contém algo de realista. SABORES E DISSABORES Especialmente saborosa e, por sinal, brasileiríssima é a história de Zequinha, que, para não se tornar padre e poder namorar a menina de quem gostava, subiu no telhado sobre o quarto de seus pais e, com voz de fantasma, alertou-os a não mandá-lo para o seminário. Entretanto, embora o romance mantenha a simplicidade verossímil e despretensiosa do relato oral, falta um certo tempero, tanto oral quanto literário, que faça com que ele se torne mais variado e apimentado. São casos muito diferentes e curiosos para serem quase todos narrados num mesmo diapasão praticamente neutro. Além disso, mas de menor importância, a revisão editorial deveria ter um pouco mais de cuidado com alguns "haviam" mal colocados. Um livro saboroso na sua simplicidade, mas em cuja simplicidade falta justamente algum sotaque mais temperado. POLTRONA 27 AUTOR Carlos Herculano Lopes EDITORA Record QUANTO R$ 33,90 (176 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Painel das Letras - Josélia Aguiar: Zizek e o "e-book" Próximo Texto: Vargas Llosa provoca argentinos em feira Índice | Comunicar Erros |
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