São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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MEMÓRIA
"Recreio" faz 30 anos em maio

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
Editora da Folhinha

Na segunda quarta-feira de maio fará 30 anos que foi lançada, em todo o Brasil, a revista "Recreio", pela editora Abril, cujo lema era "Leia e Pinte, Recorte e Brinque".
Febre entre as crianças, que brincavam sozinhas com as atividades, a publicação vendeu aproximadamente um milhão de exemplares por mês em cerca de um ano e meio. Foi quinzenal no início e depois passou a semanal.
"Recreio" foi um marco na pedagogia brasileira. Foi adotada por inúmeras escolas. A revista veiculava brincadeiras que ensinavam, sem a criança perceber, operações matemáticas e a língua portuguesa, além de prepará-la para a alfabetização (exercícios de psicomotricidade e discriminação visual).
A receita do sucesso incluía a simplicidade de um projeto gráfico uniforme, temas definidos e idade especificada -4 a 7 anos.
Sonia Robatto, 61, foi criadora do projeto, ao lado de Waldir Igayara, que o concebeu graficamente. Ela conta que tudo começou quando foi oferecer em 1968 uma história sua, "A Sapa Cristina", e recebeu o convite para criar o projeto.
Sonia foi contratada e montou uma redação. Ruth Rocha, 68, entrou no oitavo número como orientadora educacional.
No princípio, "Recreio" tinha 16 páginas e um encarte com uma atividade para montar com tesoura e cola, própria para a faixa etária.
"A revista partia de um único assunto -uma história de ficção- que se desdobrava em atividades preparatórias de leitura para crianças até os sete anos. A idéia era que fosse a primeira revista de uma criança pequena", conta Robatto.
Mas "Recreio" contava com a colaboração dos pais, que deveriam ler as histórias para as crianças.
"A gente também acompanhava o calendário escolar e tudo o que acontecia no ano, não só na escola, como as estações do ano. Abordava temas como o medo da criança de ficar sozinha ou o irmão que chegava, os problemas de um núcleo familiar, de um bairro e da escola ou do país", conta Robatto.
Ruth Rocha, que também comemora este ano 30 anos de carreira como escritora de literatura para crianças, considera o aniversário importante. "Acredito que "Recreio" foi uma das publicações impulsionadoras da nova literatura que surgiu por essa época."
Para Ruth, a eficácia pedagógica de "Recreio" na escola pode ser atribuída ao fato de ela não adotar, até então, como orientação geral, métodos similares. "As crianças brincavam e achavam aquilo uma farra, faziam com gosto, não sabiam que era lição."
O auge da publicação durou cerca de 50 números ou um ano e meio. "Às vezes, chegou a vender mais de 220 mil exemplares por semana. Quando vendia pouco, vendia 120 mil", diz Robatto.
Ruth Rocha conta que Sonia Robatto a "forçou" a se tornar escritora. "Sonia estava atrás de um texto que tinha na cabeça: brasileiro, frequentemente engraçado, descontraído. Ela escreveu várias histórias assim nos primeiros números e acabou me entusiasmando."
Desse modo nasceu o primeiro trabalho da escritora Ruth Rocha. "Inventei a história "Romeu e Julieta", sobre uma borboleta azul e outra amarela que não podiam brincar juntas porque tinham cores diferentes."
Ruth conta que Sonia, por sua vez, incentivava o resgate do folclore. "Acredito que até hoje a gente tem de falar da alma brasileira. Quanto mais ligado à essência do povo da gente, mais internacional é um produto cultural."
Por causa disso, "Recreio" trazia as festas e os heróis nacionais. "Peguei os mitos e as figuras fabulosas e fui escrevendo sobre eles e publicando nas datas em que eram festejados, mas com enfoque atual", conta Sonia.
Com "Recreio", Sonia Robatto e Ruth Rocha ajudaram a impulsionar a produção de literatura para crianças no Brasil, que tinha Monteiro Lobato como referência praticamente única e que teve sua explosão editorial nos anos 70.
Vanguarda para os padrões da época, "Recreio" foi plataforma de lançamento de inúmeros autores e ilustradores: as duas líderes da revista, Ruth e Sonia, e Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos, Canini, Walcir Carrasco, Walter Ono, Maria Amélia de Carvalho (do "Bambalalão").
A revista durou até o início dos anos 80, entre saídas e retornos das duas mentoras. Ganhou edições internacionais na Argentina, Espanha e Itália. "Não durou mais porque quiseram modificá-la", afirmam tanto Ruth quanto Sonia.
Ruth Rocha conta que a tiragem caiu para cerca de 25 mil exemplares por semana depois que ela e Sonia saíram. Isso aconteceu porque "ninguém entendeu o que era a publicação. O diretor que foi para lá jogou fora o meu arquivo, e lá estava tudo explicado. Eles achavam que qualquer um fazia "Recreio'".


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