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FESTIVAL DE CANNES
COMPETIÇÃO
Drama dirigido pelo cineasta canadense fala sobre o isolamento humano a partir de mente de esquizofrênico
Cronenberg desvenda psique alienada
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
"Spider" (Aranha), o drama psiquiátrico do diretor canadense
David Cronenberg, é um dos melhores filmes exibidos no festival.
Ambientado em Londres, conta a
história de um esquizofrênico
que, após sair da internação fechada para uma semi-aberta, vai
reconstituindo aos poucos o trauma que o levou à loucura.
Ralph Fiennes faz brilhantemente o personagem central, cujo
apelido de criança dá nome ao filme. Tudo o que se vê em "Spider"
é parte da psique do protagonista.
"Spider" é também um filme sobre a solidão. "O nosso isolamento é absoluto. Vivemos completamente dentro de nossas mentes,
de nossos corpos", diz Cronenberg na entrevista a seguir, da
qual a Folha participou com quatro jornalistas de outros países.
Pergunta - Como concebeu a relação entre a psique de Spider e a arquitetura de Londres?
David Cronenberg - Neste filme a
relação é bem nítida, mas eu diria
que ela está presente em todo filme expressionista. Já nos créditos,
que reproduzem papéis de paredes típicos das casas londrinas,
utilizamos um design que reproduz em várias formas o teste de
Rorschach. Esses créditos permitem ao público entrar desde o início no filme e estabelecem o tom
que ele terá. Minha idéia foi sugerir que falaremos de interpretação
da mente. Por meio dos papéis de
parede, o público chega à dimensão extrafísica a partir de algo bastante físico. Assim também é no
restante do filme. Quando vemos
Spider no quarto, essa é uma visão que provêm da cabeça dele.
Os locais são sua mente. Por isso
"Spider" não é um filme realista.
As ruas de Londres jamais estariam vazias daquele jeito.
Pergunta - Há uma cena impressionante, em que Spider passa
diante de um edifício de janelas cimentadas. Esse lugar existe?
Cronenberg - Ele existe. Eu não
faço storyboards. Prefiro estar
aberto às possibilidades que aparecem. Então, se acho uma boa locação, mudo um pouco o filme
para utilizá-la. No início, planejamos usar carros antigos e personagens passando nas ruas. Mas,
toda vez que o fazíamos, algo parecia errado. Por fim, aceitamos
que deveria ser sem carros e sem
gente, o que enfatiza o isolamento.
Pergunta - Spider sempre se observa como criança. Há um único
plano em que se vê como adulto,
refletido no espelho. Como construiu os diferentes pontos de vista?
Cronenberg - Discutimos muito
sobre isso. Quando eu pedi a Patrick [McGrath, roteirista e autor
do romance "Spider"" para reescrever o roteiro, solicitei que indicasse para a equipe em que nível
de memória do personagem a cena transcorria -se se tratava de
uma memória real ou imaginária,
se uma fantasia ou uma memória
doentia. As cenas em que aparecem os dois Spiders, adulto e
criança, são momentos em que
ele estava presente quando garoto. Na cena em que sua mãe é
morta, ele não aparece, pois não
poderia ter testemunhado aquilo.
Em outras cenas, em que surgem
elementos absurdos, ele já está
quase alucinando. Existem outros
níveis, mas de fato o único momento em que ele olha para si
mesmo como adulto é na cena
que você citou. E, ao fazê-lo, ele
não se reconhece, pois só pode ver
a si mesmo como uma criança.
Ele não se reconhece como adulto, pois permanece uma criança.
Pergunta - O isolamento é tema
que fascina os canadenses?
Cronenberg - Não acho. Há outros filmes canadenses que não
são assim. Para mim, é um ponto
de vista existencialista. Penso que,
num certo sentido, o nosso isolamento é absoluto. Existe um esforço para quebrar isso por meio
da cultura, da comunidade, da
linguagem, mas permanecemos
dentro de nossas mentes e corpos,
e não vejo escapatória. Por isso,
para mim, é natural considerar
que, se você vê um homem sozinho num quarto, você está vendo
o mundo inteiro. Não preciso de
2.000 personagens para examinar
a humanidade. Só preciso de um.
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