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MARCELO COELHO
Tigres, oráculos e bolas de fogo
Nada seria mais chato do que um código numérico para nomear as operações da PF
MUITAS ASSOCIAÇÕES de
idéias mais ou menos óbvias se seguiram à divulgação da espetacular Operação Navalha, da Polícia Federal. O nome evocaria a idéia de um governo capaz de
"cortar fundo", ou "cortar na própria carne", uma vez evidenciadas as
falcatruas em licitações públicas.
Mas, como as negociatas não se
restringiram à esfera do governo federal, a explicação para o nome adotado não me convence muito.
Prefiro pensar, mais fantasiosamente, que a "navalha" a que se refere a Polícia Federal tenha sido inspirada nos vastos bigodes do empresário Zuleido Veras, o dono da empreiteira Gautama. Mas nunca saberemos.
Passei os olhos, no site da Polícia
Federal, pela lista das operações realizadas nos últimos tempos. Apenas
as mais importantes -Vampiro,
Sanguessugas, Hurricane- terminam ganhando notoriedade pública.
Mas a lista completa é um arquivo
de metáforas para todos os gostos.
Há aquelas de inspiração clássica:
Ícaro, Artêmis, Caduceu, Afrodite
(esta última focalizava o tráfico internacional de mulheres). Outro
grupo usa nomes de bichos: Tigre,
Rêmora, Enguia.
Às vezes falta imaginação, e uma
investida policial em Guarulhos recebe o decepcionante nome de Operação Guaru.
Mas logo voltam as imagens mais
ousadas. Uma repressão a madeireiras ilegais ganha o título de Operação Pinóquio; fraudes em concursos
públicos na área de medicina, nas
quais alguns candidatos sabiam os
resultados das provas com antecedência, são desbaratadas pela Operação Oráculo.
Mercadorias sem registro em lojas de armarinho? Operação Boneco
de Pano. Comércio clandestino de
cigarros? Com alguma dose de megalomania, a operação ficou sendo
chamada de Bola de Fogo. Já a Dilúvio mereceu o nome: dela participaram 950 policiais, e mais de cem
pessoas foram presas por fraudes no
comércio internacional.
Chegamos perto do delírio quando surge a Operação Decadência Total, reprimindo irregularidades no
INSS em Ponta Grossa. Máfias no
INSS não faltam, o que levou a um
certo esgotamento de nomes razoáveis para esse tipo de ações da PF:
esta a única explicação que encontro
para o gosto, para lá de duvidoso, de
uma tal Operação Senil.
Notas fiscais fraudulentas em serviços odontológicos motivaram
uma pequena obra-prima do gênero, a Operação Boca Limpa. Mais
poesia, certamente, há na Operação
Estrela Dalva, que ganhou esse nome por ter sido realizada na cidade
gaúcha de Alvorada.
Quem foi jovem durante o regime
militar tende até hoje a ficar com o
pé atrás em tudo que se refere a
ações policiais. A lei, no meu tempo,
estava encarnada na figura do advogado. Veio depois a era do Ministério Público: deixamos de ver os responsáveis pela acusação judicial como figuras inquisitoriais e de coração duro, mas sim como aquilo que
de fato são, defensores de uma sociedade à mercê de todo tipo de esbulho e violência.
O curso dos acontecimentos nos
leva ao que tinha sido impensável 30
anos atrás: aplaudir as ações da polícia. Pelo menos, a federal.
Quando vejo o capricho com que
são escolhidos os nomes dessas operações, sinto em parte a alegria que
experimentava, na infância, ao entrar num táxi cheio de penduricalhos e enfeites no painel.
Aqueles esqueletos de plástico
presos ao retrovisor, aquelas chapas
magnéticas onde se inscrevia a clássica mensagem do "Não corra, papai", aquelas onças de pelúcia postadas no bagageiro, cujos olhos vermelhos se acendiam quando o motorista pisava no breque, tudo isso deve
ter sido proibido por alguma portaria municipal. É pena.
Quando eu era criança, pareciam-me sinal de que o taxista gostava de
sua profissão. Talvez eu intuísse, no
gosto do taxista por tantos badulaques, um pouco da infantilidade que
eu mesmo tinha.
Nada seria mais chato do que um
código alfanumérico qualquer para
identificar as operações da PF. No
fundo, o que há de bom nesses nomes tão arbitrários e subjetivos é a
rejeição, que todos temos em certa
medida, a um mundo feito exclusivamente de abstrações.
O pensamento "figurativo", por
assim dizer, que prefere imagens a
letras e números, constitui sempre
um sinal de vida -mesmo que venha acompanhado de um certo mau
gosto.
Haverá poetas na Polícia Federal?
Bons ou maus, não importa: este leitor agradece.
coelhofsp@uol.com.br
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