São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 2008

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Crítica/cinema/"Control"

Retrato do vocalista do Joy Division é belo, mas superficial

Cinebiografia tenta humanizar cantor que se matou aos 23 e ganhou aura mítica

Divulgação
Sam Riley interpreta o líder do Joy Division, Ian Curtis, e chegou a cantar em cenas de "Control"

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas primeiras imagens de "Control", ouvimos a narração em "off" de um desolado Ian Curtis (Sam Riley). "Existência, o que isso importa?", diz, recitando versos da música "Heart and Soul". E é da falta de "coração e alma" que sofre esta cinebiografia do vocalista do Joy Division.
É num terceiro elemento, corpo físico, que reside o interesse do fotógrafo e diretor Anton Corbijn. Holandês que foi à Inglaterra no fim dos anos 70, ele ajudou a forjar a identidade visual da banda. Nas suas fotografias em P&B, transparece o desejo de tratar o grupo como entidade quase divina, longe do mundano universo do rock.
O Joy Division viveu brevemente, entre 1977 e 1980, e não teve tempo para que a superexposição de imagens o condenasse a desgaste midiático precoce. Deste ponto de vista, o filme é notável: dá vida a um personagem antes quase intocado. "Control" é a continuação natural de um processo de criação, perpetuação e reavaliação do mito. Do ponto de vista das imagens, parece uma colagem de fotos (de beleza excepcional). Se, por um lado, a escolha justifica o P&B, por outro, enfraquece as tintas realistas.
Mas qual é o interesse que "Control" pode despertar em não-iniciados? Sem uma bula, não difere muito de "biopics" de estrutura convencional, como "The Doors" (91), "Sid & Nancy" (86), se ficarmos nos astros que morreram jovens.
A contextualização social em que tais artistas surgiram, além de show de atuação, são alternativas. "Control" tenta essas duas vias. Falha na primeira, mas brilha no desempenho de Sam Riley (sua reprodução da hipnótica dança de Curtis, que inspirou Renato Russo, é perfeita). Desperdiça, por exemplo, a oportunidade de explorar as desoladas paisagens pós-industriais, do começo da era Thatcher, que definiram certo espírito de época (depressivo) em Manchester, por exemplo.

Ponto de vista
Sendo assim, Curtis (1956-80) parece ser "apenas" um jovem tristonho que monta uma banda de rock e, incapaz de lidar com fama, se mata aos 23. "Control" tem o mérito de não ser condescendente. Usando como base as memórias da viúva de Curtis, temos o retrato de um artista que se suicida não por questões visionárias (suas letras são repletas de alusões à morte; a música é claustrofóbica, entre o punk e o gótico), mas por coisas bem mundanas (epilepsia, casamento em ruínas, filha recém-nascida, adultério).
É um ponto de vista, claro, mas não eleva o filme de seu superficial esquematismo. Sabe-se que o "controle" do título vem de "She's Lost Control", canção que aborda a epilepsia, e da visão do diretor: o cantor teria perdido o controle sobre sua própria vida. O filme, no entanto, tem muito controle e pouca direção. Curtis é mero fantoche de Corbijn. Na tentativa de humanizar seu ídolo, o diretor preocupou-se mais com atos, sem se aprofundar na psicologia. Trata-se de opção arriscada, já que o personagem entrou no panteão do rock como sinônimo de angústia existencial.


CONTROL
Direção:
Anton Corbijn
Produção: Reino Unido/EUA, 2007
Com: Sam Riley, Samantha Morton
Onde: em cartaz nos cines Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e Reserva Cultural (classificação: 14 anos)
Avaliação: regular


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