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Crítica
Obra faz minuciosa análise sobre a religiosidade nos EUA
Lins da Silva organiza a coletânea de ensaios "Uma Nação com Alma de Igreja"
ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
país mais rico e poderoso do mundo capitalista é também o mais
religioso -um fenômeno. A
aparência de contradição nos
termos funciona como provocação à curiosidade analítica de
cientistas sociais e outros observadores profissionais, como
os jornalistas.
O livro "Uma Nação com Alma de Igreja", organizado pelo
jornalista Carlos Eduardo Lins
da Silva, ombudsman da Folha,
aceita a provocação e monta-lhe um cerco com seis ensaios
mais um, a introdução assinada
por Gilberto Dupas.
Fato há muito sabido, não faz
tanto tempo assim que se passou a falar nele com tanta insistência e tempo dedicado como
se faz agora. Dados para comprovação do fenômeno é que
não faltam; pelo contrário, são
levas. E toda vez se repetindo
no apontar o essencial: a "excepcionalidade americana" de
manter no olho do furacão da
modernidade capitalista uma
oxigenação religiosa efetiva e
generalizada dos mundos da
vida social.
Independentemente do teor
dos dados, se de natureza objetiva (índices de frequência a
cultos, de recrutamento de
pastores e padres, de suporte
monetário às igrejas etc.) ou
subjetiva (porcentagem de
quem declara crer em Deus, na
salvação da alma individual por
Cristo, na vida após a morte
etc.), o fato é que todos os índices estatísticos de comportamento religioso são muito mais
altos nos EUA que nos outros
países. Convergem normalmente para cima na aferição do
fato nu e cru do vigor da vida
religiosa naquele país, demonstração que já assume ares de
afirmatividade identitária.
Teorias antagônicas
É bom lembrar, porém, que
essa realidade factual "já está"
interpretada teoricamente na
sociologia de maneiras antagônicas: ou bem no bojo da clássica "teoria da secularização", ou
bem na esteira de uma agressiva "tese da dessecularização".
Da primeira resulta essa figura do "excepcionalismo americano", que diz o seguinte: se a
modernidade implica secularização, a forte presença da religião "no país mais moderno do
mundo moderno" só pode representar uma exceção à regra.
A segunda defende a inversão
dessa figura, pondo a Europa
-porque secularizada- no lugar dos EUA: "a exceção é a Europa", a religião vai bem obrigado no resto do planeta. Logo,
babau secularização.
Alto lá! O "excepcionalismo
europeu" é uma tese dos neoconservadores. Há que se ter
cautela para não cair na cilada
neoconservadora quando se
apresenta o viço da religião na
"Christian America" do século
21. Neoconservador americano
é assim, teima em querer que a
modernidade volte a ser tão religiosa quanto lá.
Ao apontar para a Europa em
bloco como uma exceção, o
neoconservador evita expor
que é bem comprida a lista dos
países desenvolvidos com religiosidade em permanente declínio: Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suíça,
Holanda, Suécia, Itália, hoje
até a Polônia...
Por toda parte na Europa ocidental e central a vida religiosa
não mostra essa bola toda que
exibe nos EUA. Vem então o
neoconservador e decreta que
esse múltiplo desmentido europeu da inopinada tese da dessecularização é a única exceção
à regra -a nova regra que os
EUA estariam a enunciar com
sua robusta vida religiosa.
Minucioso na análise de curto e longo prazo, o livro de Lins
da Silva impõe-se como estudo
sério, desapaixonado, honesto
a ponto de deixar que ao longo
da leitura sejamos aqui e ali
alertados dos indesejáveis efeitos colaterais que pode haver
em esbaldar-se de religião um
país tão narcisista e poderoso
como os Estados Unidos da
América.
ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI, sociólogo da religião, é autor de "Ciladas da Diferença" (34) e
chefe do Departamento de Sociologia da USP.
UMA NAÇÃO COM ALMA DE
IGREJA: RELIGIOSIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS EUA
Organizador: Carlos Eduardo Lins
da Silva
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 36 (288 págs.)
Avaliação: bom
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