São Paulo, sábado, 23 de maio de 2009

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Crítica

Obra faz minuciosa análise sobre a religiosidade nos EUA

Lins da Silva organiza a coletânea de ensaios "Uma Nação com Alma de Igreja"

ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O país mais rico e poderoso do mundo capitalista é também o mais religioso -um fenômeno. A aparência de contradição nos termos funciona como provocação à curiosidade analítica de cientistas sociais e outros observadores profissionais, como os jornalistas.
O livro "Uma Nação com Alma de Igreja", organizado pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha, aceita a provocação e monta-lhe um cerco com seis ensaios mais um, a introdução assinada por Gilberto Dupas.
Fato há muito sabido, não faz tanto tempo assim que se passou a falar nele com tanta insistência e tempo dedicado como se faz agora. Dados para comprovação do fenômeno é que não faltam; pelo contrário, são levas. E toda vez se repetindo no apontar o essencial: a "excepcionalidade americana" de manter no olho do furacão da modernidade capitalista uma oxigenação religiosa efetiva e generalizada dos mundos da vida social.
Independentemente do teor dos dados, se de natureza objetiva (índices de frequência a cultos, de recrutamento de pastores e padres, de suporte monetário às igrejas etc.) ou subjetiva (porcentagem de quem declara crer em Deus, na salvação da alma individual por Cristo, na vida após a morte etc.), o fato é que todos os índices estatísticos de comportamento religioso são muito mais altos nos EUA que nos outros países. Convergem normalmente para cima na aferição do fato nu e cru do vigor da vida religiosa naquele país, demonstração que já assume ares de afirmatividade identitária.

Teorias antagônicas
É bom lembrar, porém, que essa realidade factual "já está" interpretada teoricamente na sociologia de maneiras antagônicas: ou bem no bojo da clássica "teoria da secularização", ou bem na esteira de uma agressiva "tese da dessecularização". Da primeira resulta essa figura do "excepcionalismo americano", que diz o seguinte: se a modernidade implica secularização, a forte presença da religião "no país mais moderno do mundo moderno" só pode representar uma exceção à regra.
A segunda defende a inversão dessa figura, pondo a Europa -porque secularizada- no lugar dos EUA: "a exceção é a Europa", a religião vai bem obrigado no resto do planeta. Logo, babau secularização.
Alto lá! O "excepcionalismo europeu" é uma tese dos neoconservadores. Há que se ter cautela para não cair na cilada neoconservadora quando se apresenta o viço da religião na "Christian America" do século 21. Neoconservador americano é assim, teima em querer que a modernidade volte a ser tão religiosa quanto lá.
Ao apontar para a Europa em bloco como uma exceção, o neoconservador evita expor que é bem comprida a lista dos países desenvolvidos com religiosidade em permanente declínio: Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suíça, Holanda, Suécia, Itália, hoje até a Polônia...
Por toda parte na Europa ocidental e central a vida religiosa não mostra essa bola toda que exibe nos EUA. Vem então o neoconservador e decreta que esse múltiplo desmentido europeu da inopinada tese da dessecularização é a única exceção à regra -a nova regra que os EUA estariam a enunciar com sua robusta vida religiosa.
Minucioso na análise de curto e longo prazo, o livro de Lins da Silva impõe-se como estudo sério, desapaixonado, honesto a ponto de deixar que ao longo da leitura sejamos aqui e ali alertados dos indesejáveis efeitos colaterais que pode haver em esbaldar-se de religião um país tão narcisista e poderoso como os Estados Unidos da América.

ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI, sociólogo da religião, é autor de "Ciladas da Diferença" (34) e chefe do Departamento de Sociologia da USP.


UMA NAÇÃO COM ALMA DE IGREJA: RELIGIOSIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS EUA
Organizador:
Carlos Eduardo Lins da Silva
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 36 (288 págs.)
Avaliação: bom



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