São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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Crítica/pop

Com menos sexo, disco-tributo internacionaliza Gainsbourg

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma vez, quando passeava com Jane Birkin pela King's Road, em Londres, Serge Gainsbourg ficou triste e disse à companheira que queria voltar para a França. "Ninguém havia aparecido para lhe pedir um autógrafo, e então ele disse que preferia ser um rei em seu próprio reino do que um pequeno príncipe em um outro lugar", contou, tempos depois, a própria Birkin em entrevista ao "Le Monde".
Ter sido um dos ícones pop mais importantes da França dos anos 60 não garantiu a Serge Gainsbourg (1928-1991) a projeção internacional que merecia. O fato de cantar em francês -e de, além disso, exacerbar as idiossincrasias dessa língua- fez do cantor, compositor e cineasta um fenômeno geograficamente limitado.
Agora, 15 anos após a sua morte, o álbum "Monsieur Gainsbourg - Revisited" presta tributo ao bardo francês justamente com uma tentativa de internacionalizar seu legado.
Verte canções para o inglês e entrega algumas delas à criatividade de artistas mais novos. Se por um lado a iniciativa democratiza a obra de Gainsbourg, por outro definitivamente a empobrece, pois, em inglês, seus versos soam mais pobres, vazios e menos sexuais.
É o exemplo de "Je T'Aime Moi Non Plus" (1969), hit condenado pelo Vaticano por simular um orgasmo feminino -o da própria parceira do cantor, Jane Birkin. Na versão de Cat Power & Karen Elson, a canção surge correta e emotiva, mas musicalmente mais contida. E o chato é que tenta esconder a pieguice da melodia em vez de escancará-la -que era o verdadeiro charme da original.
O vocalista do Placebo, Brian Molko, encarna a canalhice e o jeito sujo de cantar de Gainsbourg na cheia de ruídos "Requiem for a Jerk", enquanto os Rakes emprestam a roupa do novo e comportado rock inglês a "Le Poinçonneur des Lilas".
É do cantor britânico Jarvis Cocker a tarefa de reler a monumental "Je Suis Venu te Dire que Je M'en Vais". O ex-vocalista do Pulp se sai bem e mostra que seu estilo de cantar sussurrando longamente é herança direta do cantor francês. Mas falta à canção o choro feminino com quem Gainsbourg "duelava", ao fundo. Alguns hits ficaram de fora.
Como "Aux Armes Et Cetera", versão reggae debochada da "Marselhesa", hino nacional francês. Ainda assim, a fase "jamaicana" de Gainsbourg está muito bem representada por "Lola Rastaquoere" na voz de Marianne Faithfull.
É de sentir falta, ainda, de "Lemon Incest", que, para muitos, sugeria um ato sexual entre Serge e a própria filha de 14 anos, Charlotte, além de outros sucessos, como "La Javanaise" e "Bonnie and Clyde".
Se não por outros motivos, a coletânea tem o mérito de lembrar que Gainsbourg sobrevive e influencia para além de suas espalhafatosas, e muitas vezes oportunistas, polêmicas.


MONSIEUR GAINSBOURG    
Gravadora: Universal
Com: Franz Ferdinand, Jane Birkin, Placebo, Marc Almond, Françoise Hardy, Michael Stipe e outros
Quanto: R$ 36


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