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Crítica/"O Samurai do Entardecer"
Artesão e "fora de moda", Yoji Yamada renova o filme de samurai
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"O Samurai do Entardecer", de Yoji Yamada, chega como
que predestinado a uma carreira efêmera: é um filme fora de
moda e, sobretudo, fora de hora, cruelmente arremessado no
circuito cinematográfico em
plena Copa do Mundo. Ou seja,
dificilmente sobreviverá no circuito se o público não aparecer
no primeiro fim de semana.
Mas esse "Samurai" não é
"gauche" apenas por estar completamente deslocado na máquina do cinema como comércio. Por suas características intrínsecas, ele também parece
um estranho no ninho do cinema que é feito hoje.
Como um típico trabalho de
artesão que é, o filme se opõe,
por um lado, ao grande produto
hollywoodiano e, por outro, ao
"puro" cinema de autor, aquele
que tende a se afastar dos caminhos narrativos tradicionais.
"O Samurai do Entardecer" não
está lá nem cá, sem que isso lhe
roube a personalidade.
Yoji Yamada é um veterano
do cinema japonês -quando
fez "O Samurai do Entardecer",
em 2002, tinha 71 anos-, dono
de uma vasta obra praticamente ignorada fora de seu país. Entre o fim dos anos 60 e o começo dos anos 90, dirigiu comédias românticas altamente populares para os estúdios Shochiku, que ficaram conhecidas
como a série "Tora San" (a mais
longa da história do cinema,
com quase 50 longas-metragens). Mas seus filmes se restringiram a sucessos locais.
Neste seu 72º longa-metragem, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em
2003, Yamada trata o cinema
como um objeto de alta depuração (não confundir com firulas
estetizantes).
Cada plano de "O Samurai do
Entardecer" tem uma função
específica; o tratamento da luz
é simples e realista sem buscar
os falsos efeitos de realismo
que estão tão em voga (câmera
na mão, imagem tremida etc.);
o personagem principal, que
não é um herói típico, cumpre
seu arco dramático sem se desviar do caminho.
Esse personagem é Seibei
Iguchi (Hiroyuki Sanada, de "O
Último Samurai"), homem comum cuja vida é devastada,
pessoal e financeiramente, pela
morte da mulher, vítima de tuberculose. Iguchi sustenta a
mãe senil e as filhas pequenas
(uma delas, a narradora do filme) com o salário miserável
que recebe de um trabalho burocrático. Circunstâncias inesperadas, porém, vão despertar
o hábil guerreiro adormecido,
quando Seibei precisa defender
uma antiga paixão de infância
do ataque de um bêbado.
A tradição do "filme de samurai" é evocada numa nova chave
de leitura, quase neo-realista,
longe do épico e da ação. O caráter marginal -e a partir de
determinado momento- o caráter heróico do samurai se fazem valer justamente por suas
características mais comuns (a
necessidade de amar, o esforço
brutal para sustentar a família
etc.), e não por habilidades extra-humanas.
O mais importante, porém, é
que Yamada não impõe esse
tratamento com um peso excessivamente moral ou como
um papel exemplar, dignificador. Ele deixa que o tempo do
filme, com sua cadência própria, dê vida àquele personagem específico -e é essa vida
que transborda no filme.
O SAMURAI DO ENTARDECER
Direção: Yoji Yamada
Com: Hiroyuki Sanada, Min Tanaka
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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