São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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Crítica/"O Samurai do Entardecer"

Artesão e "fora de moda", Yoji Yamada renova o filme de samurai

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"O Samurai do Entardecer", de Yoji Yamada, chega como que predestinado a uma carreira efêmera: é um filme fora de moda e, sobretudo, fora de hora, cruelmente arremessado no circuito cinematográfico em plena Copa do Mundo. Ou seja, dificilmente sobreviverá no circuito se o público não aparecer no primeiro fim de semana.
Mas esse "Samurai" não é "gauche" apenas por estar completamente deslocado na máquina do cinema como comércio. Por suas características intrínsecas, ele também parece um estranho no ninho do cinema que é feito hoje.
Como um típico trabalho de artesão que é, o filme se opõe, por um lado, ao grande produto hollywoodiano e, por outro, ao "puro" cinema de autor, aquele que tende a se afastar dos caminhos narrativos tradicionais. "O Samurai do Entardecer" não está lá nem cá, sem que isso lhe roube a personalidade.
Yoji Yamada é um veterano do cinema japonês -quando fez "O Samurai do Entardecer", em 2002, tinha 71 anos-, dono de uma vasta obra praticamente ignorada fora de seu país. Entre o fim dos anos 60 e o começo dos anos 90, dirigiu comédias românticas altamente populares para os estúdios Shochiku, que ficaram conhecidas como a série "Tora San" (a mais longa da história do cinema, com quase 50 longas-metragens). Mas seus filmes se restringiram a sucessos locais.
Neste seu 72º longa-metragem, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2003, Yamada trata o cinema como um objeto de alta depuração (não confundir com firulas estetizantes). Cada plano de "O Samurai do Entardecer" tem uma função específica; o tratamento da luz é simples e realista sem buscar os falsos efeitos de realismo que estão tão em voga (câmera na mão, imagem tremida etc.); o personagem principal, que não é um herói típico, cumpre seu arco dramático sem se desviar do caminho.
Esse personagem é Seibei Iguchi (Hiroyuki Sanada, de "O Último Samurai"), homem comum cuja vida é devastada, pessoal e financeiramente, pela morte da mulher, vítima de tuberculose. Iguchi sustenta a mãe senil e as filhas pequenas (uma delas, a narradora do filme) com o salário miserável que recebe de um trabalho burocrático. Circunstâncias inesperadas, porém, vão despertar o hábil guerreiro adormecido, quando Seibei precisa defender uma antiga paixão de infância do ataque de um bêbado.
A tradição do "filme de samurai" é evocada numa nova chave de leitura, quase neo-realista, longe do épico e da ação. O caráter marginal -e a partir de determinado momento- o caráter heróico do samurai se fazem valer justamente por suas características mais comuns (a necessidade de amar, o esforço brutal para sustentar a família etc.), e não por habilidades extra-humanas.
O mais importante, porém, é que Yamada não impõe esse tratamento com um peso excessivamente moral ou como um papel exemplar, dignificador. Ele deixa que o tempo do filme, com sua cadência própria, dê vida àquele personagem específico -e é essa vida que transborda no filme.


O SAMURAI DO ENTARDECER    
Direção: Yoji Yamada
Com: Hiroyuki Sanada, Min Tanaka
Quando: a partir de hoje no Cinesesc


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