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Crítica/"Moacir - Arte Bruta"
Bom documentário revela arte peculiar de garimpeiro de Goiás
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
A baixo, muito abaixo da
linha da pobreza, num
lugar perdido no sertão
de Goiás, o pintor Moacir Soares de Farias sobreviveu muitos anos no garimpo, morando
num rancho de palha. Tinha dificuldades extremas de relacionamento (fazia seus desenhos
metido dentro de um cobertor,
com apenas um buraco para
olhar o mundo fora). Sua fala é
quase incompreensível: no documentário de Walter Carvalho sobre sua obra, as declarações do pintor são legendadas.
Os quadros de Moacir -mulheres de várias bocas, silhuetas
de capeta, animais fantásticos- atraíram o interesse de
colecionadores de "outsider
art", vindos até da Alemanha.
No filme de Walter Carvalho,
temos muitas amostras de suas
pinturas, que às vezes Moacir
explica, outras vezes não.
Em traços grossos, vemos o
que parece um sapo verde com
duas vaginas, sem cabeça. "Isso
aqui é mulher." O pai de Moacir, ao seu lado, diz que "não pode ser". "Mas é", responde o
pintor.
Tanto quanto a arte de Moacir, fascinam neste documentário os depoimentos e interpretações dos vizinhos e familiares
à sua volta. Reprovam as cenas
de nudez feminina -chegaram
a chamar a polícia- e também
as imagens demoníacas. Acreditam que ele vê através dos objetos. Ainda que Moacir tenha
vários desenhos de mulheres
em posição ginecológica, dizem
ele nunca viu ninguém nu, exceto ele mesmo.
Os comentários do consagrado artista plástico Siron Franco, que faz uma visita a Moacir,
são evidentemente de outro tipo. Pouco importa. Como na
coleção de "imagens do inconsciente" de Nise da Silveira, o
que há de irredutível e forte
nessas pinturas acaba impondo
um valor estético próprio, que o
filme deixa agir sozinho sobre o
espectador.
Co-diretor de "Cazuza - O
Tempo Não Pára", Walter Carvalho abandona radicalmente,
como se vê, o mundo do "show
business". O público mais restrito a que este documentário
se endereça irá, certamente,
agradecer.
Sente-se, entretanto, falta de
uma contextualização mais
ampla do personagem: mal temos idéia do meio em que ele
vive. O tema da modernização
do interior brasileiro, implícito
na própria melhoria das condições de vida da família do pintor, aparece aqui e ali; mas isso
não evita que o documentário,
privilegiando os rostos e as falas dos entrevistados, se ressinta de certa falta de variedade.
De todo modo, no caso de Moacir, é seu mundo interior, varado de imagens arcaicas, o que
mais interessa conhecer.
MOACIR - ARTE BRUTA
Direção: Walter Carvalho
Quando: a partir de hoje no Cine Bombril
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