São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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Crítica/"Moacir - Arte Bruta"

Bom documentário revela arte peculiar de garimpeiro de Goiás

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

A baixo, muito abaixo da linha da pobreza, num lugar perdido no sertão de Goiás, o pintor Moacir Soares de Farias sobreviveu muitos anos no garimpo, morando num rancho de palha. Tinha dificuldades extremas de relacionamento (fazia seus desenhos metido dentro de um cobertor, com apenas um buraco para olhar o mundo fora). Sua fala é quase incompreensível: no documentário de Walter Carvalho sobre sua obra, as declarações do pintor são legendadas.
Os quadros de Moacir -mulheres de várias bocas, silhuetas de capeta, animais fantásticos- atraíram o interesse de colecionadores de "outsider art", vindos até da Alemanha.
No filme de Walter Carvalho, temos muitas amostras de suas pinturas, que às vezes Moacir explica, outras vezes não.
Em traços grossos, vemos o que parece um sapo verde com duas vaginas, sem cabeça. "Isso aqui é mulher." O pai de Moacir, ao seu lado, diz que "não pode ser". "Mas é", responde o pintor.
Tanto quanto a arte de Moacir, fascinam neste documentário os depoimentos e interpretações dos vizinhos e familiares à sua volta. Reprovam as cenas de nudez feminina -chegaram a chamar a polícia- e também as imagens demoníacas. Acreditam que ele vê através dos objetos. Ainda que Moacir tenha vários desenhos de mulheres em posição ginecológica, dizem ele nunca viu ninguém nu, exceto ele mesmo.
Os comentários do consagrado artista plástico Siron Franco, que faz uma visita a Moacir, são evidentemente de outro tipo. Pouco importa. Como na coleção de "imagens do inconsciente" de Nise da Silveira, o que há de irredutível e forte nessas pinturas acaba impondo um valor estético próprio, que o filme deixa agir sozinho sobre o espectador.
Co-diretor de "Cazuza - O Tempo Não Pára", Walter Carvalho abandona radicalmente, como se vê, o mundo do "show business". O público mais restrito a que este documentário se endereça irá, certamente, agradecer.
Sente-se, entretanto, falta de uma contextualização mais ampla do personagem: mal temos idéia do meio em que ele vive. O tema da modernização do interior brasileiro, implícito na própria melhoria das condições de vida da família do pintor, aparece aqui e ali; mas isso não evita que o documentário, privilegiando os rostos e as falas dos entrevistados, se ressinta de certa falta de variedade.
De todo modo, no caso de Moacir, é seu mundo interior, varado de imagens arcaicas, o que mais interessa conhecer.


MOACIR - ARTE BRUTA    
Direção: Walter Carvalho
Quando: a partir de hoje no Cine Bombril


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