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DRAUZIO VARELLA
A clonagem dez anos depois
Já foram obtidos por clonagem animais de 16 espécies: lobos, búfalos, camundongos...
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DEZ ANOS atrás, um escocês de
barba ruiva e uma ovelha
branquinha deixaram o
mundo perplexo. Era Dolly, cópia
idêntica da mãe, clonada por uma
técnica desenvolvida pela equipe de
Ian Wilmut (o ruivo) e Keith Campbell. Os dois pesquisadores um dia
receberão o Nobel de Medicina, porque a tecnologia empregada derrubou um dos dogmas mais antigos da
biologia: o de que uma célula madura é incapaz de fazer o caminho inverso para voltar ao estágio embrionário.
Para criar Dolly, Wilmut e Campbell retiraram o núcleo de uma célula mamária de uma ovelha de seis
anos. Por meio de uma corrente elétrica, introduziram esse núcleo no
interior de um óvulo não fertilizado,
do qual haviam previamente retirado o núcleo. Ao final, o óvulo contendo os genes da célula mamária da
ovelha adulta foi implantado no útero de uma ovelha de aluguel.
Depois de tentar esse procedimento 277 vezes, nasceu Dolly, geneticamente idêntica à mãe de seis
anos. Estavam subvertidos os papéis
tradicionais do pai, dos gametas e
das células maduras. Desde então,
foram obtidos por clonagem animais de 16 espécies: lobos, cachorros, gatos, camundongos, búfalos,
cabritos, coelhos, cavalos, porcos e
outros. Em todos os casos, porém,
menos de 10% dos embriões implantados no útero sobreviveram.
Conseguir que os genes de uma
célula adulta obedeçam às ordens do
citoplasma de um óvulo vazio é tarefa de alta complexidade. Seus meandros precisam ser decifrados porque
não é possível desprezar as aplicações da clonagem na pecuária e na
produção de células-tronco para regenerar tecidos humanos.
Um dos principais problemas práticos é a expressão de genes aberrantes no embrião clonado, que pode
provocar defeitos na formação da
placenta, crescimento fetal exagerado e outras anormalidades possivelmente fatais para o feto e a gestante.
Quando Dolly começou a apresentar um quadro compatível com
artrite reumatóide, foi levantada a
suspeita de que animais clonados a
partir de um adulto nasceriam com
a mesma idade deste. Tal hipótese
foi reforçada quando se verificou
que os cromossomos de Dolly eram
aparentemente mais curtos, processo normalmente associado ao envelhecimento natural. Mais tarde, no
entanto, ficou claro que os cromossomos já encurtados do animal mais
velho, doador dos genes, recuperam
o tamanho normal no filho clonado.
Essa habilidade de aumentar o
comprimento dos cromossomos já
encurtados pelo processo de envelhecimento só havia sido descrita
nos tumores malignos. A clonagem
ofereceu a primeira oportunidade
de observar esse fenômeno em tecidos normais.
Com o emprego da tecnologia
atual, embora a maior parte dos fetos morra na fase intra-uterina e alguns venham ao mundo com malformações, uma minoria completa o
período de gestação e envelhece sem
exibir anormalidades físicas. A existência destes demonstra que a ousadia humana de gerar fetos sem a participação de um dos progenitores às
vezes dá frutos. A identificação dos
genes que devem ser silenciados ou
chamados a exercer sua função durante o desenvolvimento embrionário e a descrição dos programas celulares responsáveis por esses controles apontarão os caminhos da
clonagem nos próximos dez anos.
Além de clonar animais, esses conhecimentos tornarão possível desenvolver técnicas de produção de
células-tronco capazes de regenerar
tecidos humanos, através de métodos inquestionáveis pelos que se
opõem às pesquisas com embriões
humanos obtidos a partir de óvulos
e espermatozóides.
Explico melhor. Para produzirmos tecidos humanos precisamos
de células embrionárias, chamadas
de toti-potentes, porque capazes de
dar origem a qualquer tipo de tecido.
Para tanto, hoje dispomos apenas
dos embriões armazenados nas clínicas de fertilização, considerados
inúteis para os casais que doaram
espermatozóides e óvulos para o
processo de fecundação in vitro.
Mas há pessoas que consideram pecado mortal o emprego desses óvulos fertilizados, mesmo que seja para
tratar doenças incuráveis, cegas ao
argumento de que eles acabarão na
lata de lixo.
Quando dominarmos a tecnologia
para clonar células embrionárias a
partir do núcleo de uma célula da
pele do filho doente, introduzido
num óvulo esvaziado da mãe, sem a
participação espúria de qualquer espermatozóide, ainda haverá quem
se julgue no direito de impedir o uso
terapêutico de células-tronco sob o
pretexto de defender a vontade de
Deus?
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