São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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DRAUZIO VARELLA

A clonagem dez anos depois


Já foram obtidos por clonagem animais de 16 espécies: lobos, búfalos, camundongos...

DEZ ANOS atrás, um escocês de barba ruiva e uma ovelha branquinha deixaram o mundo perplexo. Era Dolly, cópia idêntica da mãe, clonada por uma técnica desenvolvida pela equipe de Ian Wilmut (o ruivo) e Keith Campbell. Os dois pesquisadores um dia receberão o Nobel de Medicina, porque a tecnologia empregada derrubou um dos dogmas mais antigos da biologia: o de que uma célula madura é incapaz de fazer o caminho inverso para voltar ao estágio embrionário.
Para criar Dolly, Wilmut e Campbell retiraram o núcleo de uma célula mamária de uma ovelha de seis anos. Por meio de uma corrente elétrica, introduziram esse núcleo no interior de um óvulo não fertilizado, do qual haviam previamente retirado o núcleo. Ao final, o óvulo contendo os genes da célula mamária da ovelha adulta foi implantado no útero de uma ovelha de aluguel.
Depois de tentar esse procedimento 277 vezes, nasceu Dolly, geneticamente idêntica à mãe de seis anos. Estavam subvertidos os papéis tradicionais do pai, dos gametas e das células maduras. Desde então, foram obtidos por clonagem animais de 16 espécies: lobos, cachorros, gatos, camundongos, búfalos, cabritos, coelhos, cavalos, porcos e outros. Em todos os casos, porém, menos de 10% dos embriões implantados no útero sobreviveram.
Conseguir que os genes de uma célula adulta obedeçam às ordens do citoplasma de um óvulo vazio é tarefa de alta complexidade. Seus meandros precisam ser decifrados porque não é possível desprezar as aplicações da clonagem na pecuária e na produção de células-tronco para regenerar tecidos humanos.
Um dos principais problemas práticos é a expressão de genes aberrantes no embrião clonado, que pode provocar defeitos na formação da placenta, crescimento fetal exagerado e outras anormalidades possivelmente fatais para o feto e a gestante.
Quando Dolly começou a apresentar um quadro compatível com artrite reumatóide, foi levantada a suspeita de que animais clonados a partir de um adulto nasceriam com a mesma idade deste. Tal hipótese foi reforçada quando se verificou que os cromossomos de Dolly eram aparentemente mais curtos, processo normalmente associado ao envelhecimento natural. Mais tarde, no entanto, ficou claro que os cromossomos já encurtados do animal mais velho, doador dos genes, recuperam o tamanho normal no filho clonado.
Essa habilidade de aumentar o comprimento dos cromossomos já encurtados pelo processo de envelhecimento só havia sido descrita nos tumores malignos. A clonagem ofereceu a primeira oportunidade de observar esse fenômeno em tecidos normais.
Com o emprego da tecnologia atual, embora a maior parte dos fetos morra na fase intra-uterina e alguns venham ao mundo com malformações, uma minoria completa o período de gestação e envelhece sem exibir anormalidades físicas. A existência destes demonstra que a ousadia humana de gerar fetos sem a participação de um dos progenitores às vezes dá frutos. A identificação dos genes que devem ser silenciados ou chamados a exercer sua função durante o desenvolvimento embrionário e a descrição dos programas celulares responsáveis por esses controles apontarão os caminhos da clonagem nos próximos dez anos.
Além de clonar animais, esses conhecimentos tornarão possível desenvolver técnicas de produção de células-tronco capazes de regenerar tecidos humanos, através de métodos inquestionáveis pelos que se opõem às pesquisas com embriões humanos obtidos a partir de óvulos e espermatozóides.
Explico melhor. Para produzirmos tecidos humanos precisamos de células embrionárias, chamadas de toti-potentes, porque capazes de dar origem a qualquer tipo de tecido. Para tanto, hoje dispomos apenas dos embriões armazenados nas clínicas de fertilização, considerados inúteis para os casais que doaram espermatozóides e óvulos para o processo de fecundação in vitro. Mas há pessoas que consideram pecado mortal o emprego desses óvulos fertilizados, mesmo que seja para tratar doenças incuráveis, cegas ao argumento de que eles acabarão na lata de lixo.
Quando dominarmos a tecnologia para clonar células embrionárias a partir do núcleo de uma célula da pele do filho doente, introduzido num óvulo esvaziado da mãe, sem a participação espúria de qualquer espermatozóide, ainda haverá quem se julgue no direito de impedir o uso terapêutico de células-tronco sob o pretexto de defender a vontade de Deus?


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