São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Campeã de audiência


Arte-educação faz o público aumentar e torna-se fator essencial para o sucesso das grandes exposições


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na semana passada 8.500 estudantes da rede municipal de ensino começaram a visitar a mostra "500 Anos de Arte Russa", em cartaz na Oca, no parque Ibirapuera, num convênio entre a associação BrasilConnects e a Prefeitura de São Paulo.
O número pode ser modesto, mas sinaliza um fator comum a todas as grandes mostras em cartaz nos últimos anos na capital paulista: a visita expressiva de estudantes como fator para inflacionar os números finais da visitação. "Se a década passada foi a época dos curadores, agora é a vez dos arte-educadores", diz o curador Ivo Mesquita.
Eles são os responsáveis pela organização de visitas em grupos, de estudantes ou turmas específicas. O Brasil tem tradição na área. Desde a 8ª Bienal de São Paulo, de 1965, há registro de monitores acompanhando visitantes. Esse serviço acabou se tornando um importante centro de formação de críticos, curadores e até mesmo artistas.
No entanto, a participação do arte-educador como elemento catalisador de público teve início em 2000, quando dos mais de 1,8 milhão de visitantes da Mostra do Redescobrimento, cerca de 30%, ou seja, 600 mil estudantes, participaram do evento. O fenômeno ampliou-se na 25ª Bienal de São Paulo, encerrada em maio passado, quando o desempenho foi superado: dos 668 mil visitantes, mais da metade (350 mil), entrou via arte-educação.
Por trás desses números, está a arte-educadora Mirian Celeste Martins, uma versão paulistana do flautista de Hamelin, só que em vez de ratos, são alunos que ela agrega, utilizando não o instrumento de sopro, mas máquinas de fax e a internet.
Foi com tais ferramentas que, no início deste ano, ela conseguiu programar, em apenas duas semanas, a visita-recorde dos estudantes à Bienal. "Mandei alguns e-mails e faxes e o retorno foi muito rápido, a bienal é o único evento que tem continuidade e a mídia ajuda a criar grande expectativa", afirma.
Antes, ela já havia coordenado a área de arte-educação da Mostra do Redescobrimento (2000), "50 Anos de Televisão", "Parade" e "Bienal, 50 Anos" (2001). Todas com grande sucesso de público.
Segundo Martins, do ponto de vista conceitual, as visitas devem ser organizadas com dois fundamentos: o de mediação, segundo o qual "o objetivo é provocar encontros estéticos e não apenas fornecer informações"; o segundo é o de rizoma: "tudo está conectado, e os próprios alunos devem estar capacitados a realizar essas conexões".
Do ponto de vista geral, "não pensamos na visita dos alunos como uma excursão, mas sim como uma expedição na qual eles estejam envolvidos", diz a arte-educadora à Folha, em uma sala do Espaço Pedagógico, no Brooklyn, instituição para formação de educadores, na qual presta assessoria.
Para organizar as visitas, ela busca atingir três grupos específicos: monitores, professores e os estudantes, fornecendo material didático a todos eles. "O mais adequado é que sempre que um aluno entre numa mostra, ele já tenha discutido o tema com o professor, que por sua vez já recebeu um treinamento com monitores", afirma Martins.
Nem sempre tem sido assim. Na última bienal, por exemplo, "não houve material produzido para atender a demanda tão grande", segundo a pedagoga. Com isso, "comprometeu-se" o valor da visita. "A memória de uma exposição continua na escola por meio da arte-educação. Se não há material de apoio, perde-se em qualidade", afirma.
O acesso à última bienal foi organizado em dois segmentos: o de escolas particulares, atendido por 94 monitores, e o projeto Jovem Protagonista, voltado a 200 mil estudantes da rede estadual de ensino. Estes assistiam a apenas a um vídeo de 20 minutos com questões sobre o evento, que era apresentado logo na entrada. "Não é a maneira mais adequada, mas foi a única possível para tal demanda", diz Martins.
Foi na própria bienal, aliás, que ela iniciou sua vinculação à arte. Martins foi monitora da 10ª Bienal, em 1969. Depois formou-se em artes plásticas, e doutorou-se em arte-educação na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Atualmente, ela é professora no Instituto de Artes da Unesp e assessora a ação educativa no Santos Cultural.
O seu trabalho com grandes levas de estudantes teve início com a Mostra do Redescobrimento. "Foi a primeira experiência, coordenei um grupo de 250 monitores, produzimos um material de apoio de qualidade e nas itinerâncias tivemos muito sucesso", afirma (veja os totais de público no quadro abaixo).
Com os altos orçamentos que atualmente são dedicados às grandes mostras -a bienal saiu por R$ 14 milhões, por exemplo-, Martins defende que uma parte desses valores seja dedicada à arte-educação: "se existe um investimento ínfimo, o retorno é imenso; é importante que produtores culturais levem mais a sério essa área".
Apesar de ter trabalhado até agora apenas com grandes exposições, Martins considera que são os museus os responsáveis mais diretos na formação de público. "Não quero deixar de lado os museus. Muitas vezes eles preparam visitas apenas para mostras temporárias, mas é preciso valorizar os acervos, e são poucas as instituições que têm essa preocupação".
Nem todos os especialistas da área consideram que esses números expressivos de visitações representem um bom aproveitamento dos estudantes nas exposições (leia texto abaixo). Mesmo assim, Martins acredita que a visita sempre vale a pena: "sempre há uma contaminação, mesmo que para alguns, o passeio ou a paquera sejam o fato mais importante no evento. É como um vírus, alguém sempre está sujeito a recebê-lo. Além do mais, mesmo em sala de aula, o rendimento entre os alunos nunca é o mesmo".



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