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"JOBIM SINFÔNICO"
Obra orquestral do compositor, interpretada por 70 músicos da Osesp, tem lançamento em CD e DVD
Feita de quase nada para dizer quase tudo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Uma das cenas mais bonitas
mal dura um instante. No
meio da floresta da orquestra, o
pianista Benjamin Taubkin fecha
os olhos e meneia a cabeça, cercado pela beleza quase inaguentável
do tema de "A Casa Assassinada".
Estamos no terceiro movimento,
e o grande tema volta nas flautas,
enquanto o piano toca arpejos
-quiálteras de cinco contra as
divisões em quatro de todo mundo mais. Benjamin fecha os olhos,
o maestro Minczuk abre a boca, a
violinista Soraya Collacico só pisca. Música assim salva a vida.
No CD: faixa 7, 1min41s em
diante. No DVD: 44min44s. A suíte "A Casa Assassinada" foi composta por Tom Jobim (1927-1994)
para um filme dirigido por Paulo
César Saraceni; e gravada no antológico "Matita Perê", de 1973.
Esse grande tema, que percorre os
quatro movimentos, tem a natureza de muitos outros temas de
Tom Jobim: é feito de quase nada
-no caso, uma simples sequência descendente de cinco notas,
uma ao lado da outra-, mas diz
quase tudo, à medida que vai sendo harmonizado, elaborado, trabalhado.
Exemplos assim estão por toda
parte na música de Tom Jobim.
Quanto mais de perto se olha para
ela, mais aparece o trabalho consciente de composição, a capacidade de extrair encantamento do
que há de mais simples. Pode não
ser a imagem habitual do compositor, mas isso só comprova sua
generosidade, distribuindo bolos
finíssimos para todos nós, a massa de famintos, sem jamais chamar a atenção para si. A beleza da
música cobre tudo.
Que as artes de Tom Jobim, para além do milagre, tinham sua
dose considerável de labuta fica
evidente depois desse projeto "Jobim Sinfônico". Gravado e filmado ao vivo, na Sala São Paulo, em
dezembro passado, com uma orquestra de 70 músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo e participação especial de
Milton Nascimento, reúne 15
composições sinfônicas do maestro soberano (algumas em vários
movimentos, como a "Sinfonia da
Alvorada", "Orfeu da Conceição"
e "A Casa Assassinada").
Imagens
Partituras originais de Tom somam-se a arranjos de Claus Ogerman, Nelson Riddle, Eumir Deodato, Dori Caymmi. A edição da
música e a produção do projeto ficaram a cargo de Paulo Jobim e
Mário Adnet.
Detalhes da música? Um em um
milhão: a citação da "Rapsódia
Espanhola" de Ravel, no início de
"Gabriela". A música francesa absorvida, como a americana, sem
angústia, na música de Tom.
Detalhes da filmagem (dirigida
por Luiz Fernando Goulart): o
braço malhado da harpista Liuba
Klevtsova; o contrabaixo de Ney
Vasconcelos visto de cima, cada
um de nós em vôo rasante, como
o bom urubu de Tom; a violoncelista Iris Regev observando a figura de Milton Nascimento, enquanto o metal da voz se vai pelo
sertão de "Matita Perê".
Pequenos flagrantes assim recriam o teatro vivo da música.
Imagens serão sempre desnecessárias: a música nos fecha os
olhos. Mas a filmagem repõe concretamente seus instrumentos no
palco; quer dizer: registra, na carne e no osso do vídeo, a presença
humana dos que fazem música.
Desse ponto de vista, nada é
mais tocante do que a última cena, no final de um discreto making of. São só alguns segundos.
Quando menos se espera, surge
em preto-e-branco o rosto de
Tom Jobim, já bem maduro, de
perfil, olhando sério para uma
paisagem de prédios em Nova
York. Depois vira para a câmera.
Dá um frio na espinha. Essa ausência, agora, somos nós -sustentados por dentro pela música
de Tom Jobim.
Jobim Sinfônico
Artista: vários
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 40 (CD) e R$ 45 (DVD)
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