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São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 2003

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"JOBIM SINFÔNICO"

Obra orquestral do compositor, interpretada por 70 músicos da Osesp, tem lançamento em CD e DVD

Feita de quase nada para dizer quase tudo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Uma das cenas mais bonitas mal dura um instante. No meio da floresta da orquestra, o pianista Benjamin Taubkin fecha os olhos e meneia a cabeça, cercado pela beleza quase inaguentável do tema de "A Casa Assassinada". Estamos no terceiro movimento, e o grande tema volta nas flautas, enquanto o piano toca arpejos -quiálteras de cinco contra as divisões em quatro de todo mundo mais. Benjamin fecha os olhos, o maestro Minczuk abre a boca, a violinista Soraya Collacico só pisca. Música assim salva a vida.
No CD: faixa 7, 1min41s em diante. No DVD: 44min44s. A suíte "A Casa Assassinada" foi composta por Tom Jobim (1927-1994) para um filme dirigido por Paulo César Saraceni; e gravada no antológico "Matita Perê", de 1973. Esse grande tema, que percorre os quatro movimentos, tem a natureza de muitos outros temas de Tom Jobim: é feito de quase nada -no caso, uma simples sequência descendente de cinco notas, uma ao lado da outra-, mas diz quase tudo, à medida que vai sendo harmonizado, elaborado, trabalhado.
Exemplos assim estão por toda parte na música de Tom Jobim. Quanto mais de perto se olha para ela, mais aparece o trabalho consciente de composição, a capacidade de extrair encantamento do que há de mais simples. Pode não ser a imagem habitual do compositor, mas isso só comprova sua generosidade, distribuindo bolos finíssimos para todos nós, a massa de famintos, sem jamais chamar a atenção para si. A beleza da música cobre tudo.
Que as artes de Tom Jobim, para além do milagre, tinham sua dose considerável de labuta fica evidente depois desse projeto "Jobim Sinfônico". Gravado e filmado ao vivo, na Sala São Paulo, em dezembro passado, com uma orquestra de 70 músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e participação especial de Milton Nascimento, reúne 15 composições sinfônicas do maestro soberano (algumas em vários movimentos, como a "Sinfonia da Alvorada", "Orfeu da Conceição" e "A Casa Assassinada").

Imagens
Partituras originais de Tom somam-se a arranjos de Claus Ogerman, Nelson Riddle, Eumir Deodato, Dori Caymmi. A edição da música e a produção do projeto ficaram a cargo de Paulo Jobim e Mário Adnet.
Detalhes da música? Um em um milhão: a citação da "Rapsódia Espanhola" de Ravel, no início de "Gabriela". A música francesa absorvida, como a americana, sem angústia, na música de Tom.
Detalhes da filmagem (dirigida por Luiz Fernando Goulart): o braço malhado da harpista Liuba Klevtsova; o contrabaixo de Ney Vasconcelos visto de cima, cada um de nós em vôo rasante, como o bom urubu de Tom; a violoncelista Iris Regev observando a figura de Milton Nascimento, enquanto o metal da voz se vai pelo sertão de "Matita Perê".
Pequenos flagrantes assim recriam o teatro vivo da música. Imagens serão sempre desnecessárias: a música nos fecha os olhos. Mas a filmagem repõe concretamente seus instrumentos no palco; quer dizer: registra, na carne e no osso do vídeo, a presença humana dos que fazem música.
Desse ponto de vista, nada é mais tocante do que a última cena, no final de um discreto making of. São só alguns segundos. Quando menos se espera, surge em preto-e-branco o rosto de Tom Jobim, já bem maduro, de perfil, olhando sério para uma paisagem de prédios em Nova York. Depois vira para a câmera. Dá um frio na espinha. Essa ausência, agora, somos nós -sustentados por dentro pela música de Tom Jobim.


Jobim Sinfônico    
Artista: vários
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 40 (CD) e R$ 45 (DVD)



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