São Paulo, sábado, 23 de julho de 2005

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LIVROS

ROMANCE

Nova obra do americano chega ao Brasil antes de ser lançada nos EUA

Em "Desvarios", Auster traduz a linguagem de Woody Allen

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se você é fã daquele Paul Auster de livros como "A Trilogia de Nova York" ou o recente "Noite do Oráculo", com seus duplos misteriosos, suas pistas falsas e desvios entre a ficção e a realidade, talvez estranhe este "Desvarios no Brooklyn", que sai no Brasil alguns meses antes de ser lançado nos EUA.
O romance parece, em muitos momentos, uma versão escrita de um filme de Woody Allen -às vezes até um Woody Allen tentando ser Bergman (como afirma um personagem em determinada passagem, "eu já tinha visto tudo aquilo no cinema e sabia que jeito devia ter").
Talvez seja compreensível que, depois do 11 de Setembro -mencionado de modo rápido e eficaz na narrativa-, tudo esteja diferente e Auster tenha se sentido tentado a retomar em sua obra uma busca profundamente enraizada na sociedade americana e, ao que tudo indica, bastante comprometida: a busca da felicidade. O resultado é tocante e, ao mesmo tempo, muito irregular. Alguns dos "defeitos" saltam aos olhos de modo tão evidente que o livro poderia ser usado com facilidade em um hipotético curso sobre como cortes tornam um texto melhor.
A história é contada em primeira pessoa pelo corretor de seguros aposentado Nathan Glass. Após enfrentar um câncer de pulmão e certo de que não conseguiria viver por muito tempo, ele se muda para o Brooklyn para, sozinho, esperar pelo fim.
Ali, o velho judeu começa a escrever pequenas histórias e casos de que recordava, reencontra um sobrinho, acredita estar apaixonado pela garçonete latina de um restaurante próximo, conhece um ex-presidiário que se transformara em dono de um sebo especializado em livros raros, torna-se pai provisório de uma menina de 9 anos e vê uma existência que julgava sem sentido adquirir inúmeros propósitos.
Auster dá a impressão de querer levar seu protagonista-escritor a recriar algumas das trilhas de seu xará Nathan Zuckerman, genial invenção de Philip Roth, que vem construindo em uma série de romances escritos nas últimas décadas uma meticulosa história da vida (muito) privada dos EUA.
Aí, porém, tudo se complica. Seja nas intervenções e comentários dos dois autores fictícios a respeito dos fatos que contam (daqueles "defeitos" apenas citados acima, este é um dos mais graves do texto), seja no procedimento de apanhar um assunto e tentar destrinchar suas conexões e conseqüências até o limite, para ficar só em dois exemplos, a comparação não é nada favorável a ele. A julgar, contudo, pela decisão que Nathan Glass toma no final de "Desvarios no Brooklyn" (e é desnecessário antecipá-la aos futuros leitores), fica a expectativa de que seus talentos narrativos ainda virão a ser muito aprimorados.


Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e organizador de "Memórias do Presente" (Publifolha)

Desvarios no Brooklyn
  
Autor: Paul Auster
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (328 págs.)


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