São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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Grife "Gullane Brothers" renova ares do cinema

Produtora de irmãos prova que é possível viver de filmes no país, sem reclamar

Com parcerias internacionais e projetos para cinema e TV, dupla se firma no mercado e representa o lado positivo da "geração das leis de incentivo"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles são a cara renovada do cinema brasileiro. Os irmãos Caio, 33, e Fabiano Gullane, 35, produzem filmes sem reclamar -da sorte, de dinheiro, das estatais, do governo. Ou seja, passam longe das lamúrias repetidas à exaustão por dez entre dez profissionais da área.
Há mais de uma década na estrada, a dupla esperou até 2000 para colocar pela primeira vez a assinatura Gullane Filmes na produção de um longa.
O título era "Bicho de Sete Cabeças", premiada estréia da diretora Laís Bodanzky, que no Festival de Brasília amealhou sete troféus Candango e não fez feio na bilheteria.
A experiência consolidou um palpite da dupla, que, antes trabalhando para outros produtores, viu muitos filmes morrerem na praia. "Nós percebemos que não adianta nada gastar uma energia gigantesca na produção do filme e não gastar a mesma energia para lançá-lo", afirma Fabiano.

Fabriqueta
Hoje, a Gullane Filmes azeita sua máquina. É uma fabriqueta de projetos que ocupa três sobrados na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, com 15 profissionais contratados.
Os Gullane estão expandindo sua atuação para a TV. Fecharam a produção de um telefilme (para a Sony) e uma série (para a HBO). E apostam cada vez mais em parcerias internacionais como o melhor caminho para afirmar o Brasil no mapa-múndi do cinema.
Para o novo longa de Bodanzky, "União Fraterna", eles acertaram a co-produção do selo franco-alemão Arte. Agora, tentam um acordo (em outro projeto) com os também "brothers" Bob e Harvey Weinstein, os irmãos produtores norte-americanos que chacoalharam o mercado com o selo Miramax.
Quando cita a teia de contatos da Gullane Filmes -que vai dos Weinstein à empresa argentina Patagonik, com quem os brasileiros negociam uma produção na Amazônia-, Caio Gullane estufa o peito. "Não temos nem poupança nem herança. Chegamos aqui trabalhando duro", afirma.
Quando entraram para o curso de cinema na Faap, os Gullane já acumulavam anos de trabalho como produtores. Não exatamente de cinema.
Aos 14, Fabiano encontrou trabalho na empresa de dublagem BKS e começou a transportar para a produção de festas sua experiência profissional com aparatos de som e luz.
Caio também era adolescente quando foi trabalhar como ator, no auge da moda dos "telegramas ao vivo". Passou a febre do delivery de mensagens, Caio se cansou "das micagens" e foi produzir eventos empresariais.
Os Gullane encararam cedo o mercado de trabalho por vontade de incrementar as próprias finanças. Fabiano tinha 13 anos, e Caio, 11, quando o pai deles morreu. "Minha mãe foi uma figura genial. Não tivemos nenhuma necessidade básica. Mas, por outro lado, não havia mesada", conta Caio.

Professor
A precocidade da experiência profissional ficou clara quando Caio se viu contratando o próprio professor. Ainda aluno da Faap, ele foi trabalhar na produção de "Os Matadores" (1997), primeiro longa de Beto Brant. "Chamei meu professor para ser o técnico de som do filme. Aí percebi que a coisa tinha acelerado", afirma.
Antes da aceleração, Caio e Fabiano se exercitaram no formato do curta-metragem. Até porque não havia muito mais a fazer. No início dos anos 90, a produção de longas no Brasil caiu quase a zero, depois do fechamento da Embrafilme pelo presidente Fernando Collor de Mello (1990-92) e antes que se disseminasse o uso das leis Rouanet (1991) e do Audiovisual (1993), que financiam a produção de filmes com dinheiro de Imposto de Renda.
"Somos a geração que cresceu com as leis", diz Fabiano. Cresceu e agora vê esse mecanismo de produção ser bombardeado com críticas de diversos lados, sobretudo pelo volume de dinheiro de "benefício fiscal" que circula hoje no setor e pelo constante avanço nos orçamentos dos filmes. Uma novíssima geração de candidatos a produtores advoga que o filme barato é não só possível, mas necessário.
"O discurso radical do filme sem orçamento vira as costas para a estrutura que o cinema demanda. Se todos os filmes forem feitos sem dinheiro, os laboratórios fecham", diz Caio.
Na Gullane Filmes, dizem os irmãos produtores, o propósito é "não se fechar nem num estilo de filmes nem num modo único de produção".


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