São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2007

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Chacal abandona o mimeógrafo e é "redescoberto"

Um dos expoentes da poesia marginal ganha edição que reúne sua produção; lançamento acontece hoje no Rio

Além do livro da Cosacnaify, editora Azougue publica volume que traz poesias do grupo Nuvem Cigana, que tinha participação de Chacal

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O livro, ponto de chegada de uma produção de três décadas e meia, se chama "Belvedere" (Cosacnaify, R$ 55, 384 págs.) -"um lugar a que você vai para ver a vista"-, mas podia bem ter por título "Muito Prazer, Ricardo", número dois.
O "número um" foi o livro de estréia, em edição mimeografada, do poeta Chacal, em que se apresentava em 1971 com seu nome "civil" no título e um programa de ação disfarçado de saudação e cumprimento.
Seus poemas curtos, de inspiração na leitura que o garoto de Copacabana fazia de Oswald de Andrade, e seu "modo de produção" independente das grandes editoras influenciaria uma geração de escritores, que já produziam ou que descobriam então a poesia, nos anos que se seguiram.

Produção artesanal
Em tempos de rígida ditadura, a poesia "marginal" -às margens do sistema de produção editorial, explica a crítica Heloisa Buarque de Hollanda para esclarecer o termo- dava uma resposta, em livrinhos de produção artesanal, que de cara podia ser rotulada como "alienada", mas que era ao menos uma tentativa de resgate da leveza perdida, de afirmação da vida num momento de obscurantismo.
Dela participaram de "eruditos", estudantes, professores universitários -como Ana Cristina César, Cacaso, Francisco Alvim e Roberto Schwarz- aos "porra-loucas" do Nuvem Cigana, como Charles Peixoto e Bernardo Vilhena, que tornaram a leitura de poemas um evento teatral e deram lugar central à oralidade, ao verso em voz alta.
A mesma defesa do prazer e do presente aparece agora em "Belvedere", volume em que a Cosacnaify reuniu todos os livros de Chacal e alguns poemas inéditos, só compilados agora.
A obra mostra a continuidade dos valores caros a Chacal e sua evolução como poeta. O autor do livro de estréia dizia: "chegou a hora de amar desesperadamente/ apaixonadamente/ descontroladamente/ chegou a hora de mudar o estilo/ de mudar o vestido/ chegou atrasada como um trem atrasado/ mas que chega".
Num poema da última leva, estão lá os versos: "hoje viemos dizer pra família/ que não vamos mais terminar os estudos/ e que nossa carne curtida, nosso olho vermelho,/ nosso sorriso encarnado e, principalmente, nosso silêncio/ dizem tudo".
"O horizonte utópico da poesia marginal era "vamos mudar o presente'", diz Augusto Massi, editor da Cosacnaify.
Ele afirma que Chacal foi influência importante mesmo para poetas que já haviam produzido algo antes de "Muito Prazer". De fato, Cacaso, por exemplo, em seu livro "A Palavra Cerzida", de 1967, tem em muitos poemas uma dicção que lembra a de João Cabral de Melo Neto. No seguinte, já há versos como: "Um telegrama urgente/ anuncia a bem-amada/ para o século vindouro./ Arfando diante do espelho/ principio/ a pentear os cabelos".

Redescoberta
Chacal vem sendo "descoberto", se é que vale o termo, fora do Rio de Janeiro, onde nunca saiu de cena, atravessando décadas com as apresentações coletivas de poesia falada, teatro e performances. Apresentou-se na última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), lendo poemas. Tem o "Belvedere", livro que pára em pé, ele brinca, em oposição a seus livrinhos de antigamente.
E a Azougue Editorial lançou "Nuvem Cigana - Poesia & Delírio no Rio dos Anos 70" (R$ 36, 224 págs.), que trata do grupo formado na segunda metade dos 70 por Chacal e amigos, que cruzaria experiências com o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone e de onde sairia boa parte do pessoal que faria a cultura pop do Brasil nos anos 80, com produtos como Blitz e "Armação Ilimitada".
O volume da Cosacnaify será lançado hoje no Rio, às 20h, na Livraria da Travessa (r. Visconde de Pirajá, 572, Ipanema, tel. 0/xx/21/3205-9002), e, na quarta, às 19h, em São Paulo, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, tel. 0/xx/11/3814-5811).
Para seu editor Augusto Massi, a obra mostra que Chacal mudou ao longo do tempo, passando de versos mais "crus", que partiam de uma experiência de pouca erudição e leitura, para um poeta que conhece e domina a tradição da poesia moderna brasileira.
"Do ponto de vista literário, o Chacal com o tempo foi conhecendo a tradição. Ele depois bebeu dela. Agora ele é um poeta inserido num contexto, não é mais um franco-atirador."

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