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Chacal abandona o mimeógrafo e é "redescoberto"
Um dos expoentes da poesia marginal ganha edição que reúne sua produção; lançamento acontece hoje no Rio
Além do livro da Cosacnaify, editora Azougue publica volume que traz poesias do grupo Nuvem Cigana, que tinha participação de Chacal
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O livro, ponto de chegada de
uma produção de três décadas e
meia, se chama "Belvedere"
(Cosacnaify, R$ 55, 384 págs.)
-"um lugar a que você vai para
ver a vista"-, mas podia bem
ter por título "Muito Prazer,
Ricardo", número dois.
O "número um" foi o livro de
estréia, em edição mimeografada, do poeta Chacal, em que se
apresentava em 1971 com seu
nome "civil" no título e um programa de ação disfarçado de
saudação e cumprimento.
Seus poemas curtos, de inspiração na leitura que o garoto de
Copacabana fazia de Oswald de
Andrade, e seu "modo de produção" independente das grandes editoras influenciaria uma
geração de escritores, que já
produziam ou que descobriam
então a poesia, nos anos que se
seguiram.
Produção artesanal
Em tempos de rígida ditadura, a poesia "marginal" -às
margens do sistema de produção editorial, explica a crítica
Heloisa Buarque de Hollanda
para esclarecer o termo- dava
uma resposta, em livrinhos de
produção artesanal, que de cara
podia ser rotulada como "alienada", mas que era ao menos
uma tentativa de resgate da leveza perdida, de afirmação da
vida num momento de obscurantismo.
Dela participaram de "eruditos", estudantes, professores
universitários -como Ana
Cristina César, Cacaso, Francisco Alvim e Roberto
Schwarz- aos "porra-loucas"
do Nuvem Cigana, como Charles Peixoto e Bernardo Vilhena,
que tornaram a leitura de poemas um evento teatral e deram
lugar central à oralidade, ao
verso em voz alta.
A mesma defesa do prazer e
do presente aparece agora em
"Belvedere", volume em que a
Cosacnaify reuniu todos os livros de Chacal e alguns poemas
inéditos, só compilados agora.
A obra mostra a continuidade dos valores caros a Chacal e
sua evolução como poeta. O autor do livro de estréia dizia:
"chegou a hora de amar desesperadamente/ apaixonadamente/ descontroladamente/
chegou a hora de mudar o estilo/ de mudar o vestido/ chegou
atrasada como um trem atrasado/ mas que chega".
Num poema da última leva,
estão lá os versos: "hoje viemos
dizer pra família/ que não vamos mais terminar os estudos/
e que nossa carne curtida, nosso olho vermelho,/ nosso sorriso encarnado e, principalmente, nosso silêncio/ dizem tudo".
"O horizonte utópico da poesia marginal era "vamos mudar
o presente'", diz Augusto Massi, editor da Cosacnaify.
Ele afirma que Chacal foi influência importante mesmo
para poetas que já haviam produzido algo antes de "Muito
Prazer". De fato, Cacaso, por
exemplo, em seu livro "A Palavra Cerzida", de 1967, tem em
muitos poemas uma dicção que
lembra a de João Cabral de Melo Neto. No seguinte, já há versos como: "Um telegrama urgente/ anuncia a bem-amada/
para o século vindouro./ Arfando diante do espelho/ principio/ a pentear os cabelos".
Redescoberta
Chacal vem sendo "descoberto", se é que vale o termo, fora do Rio de Janeiro, onde nunca saiu de cena, atravessando
décadas com as apresentações
coletivas de poesia falada, teatro e performances. Apresentou-se na última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), lendo poemas. Tem o
"Belvedere", livro que pára em
pé, ele brinca, em oposição a
seus livrinhos de antigamente.
E a Azougue Editorial lançou
"Nuvem Cigana - Poesia & Delírio no Rio dos Anos 70" (R$
36, 224 págs.), que trata do grupo formado na segunda metade
dos 70 por Chacal e amigos, que
cruzaria experiências com o
grupo teatral Asdrúbal Trouxe
o Trombone e de onde sairia
boa parte do pessoal que faria a
cultura pop do Brasil nos anos
80, com produtos como Blitz e
"Armação Ilimitada".
O volume da Cosacnaify será
lançado hoje no Rio, às 20h, na
Livraria da Travessa (r. Visconde de Pirajá, 572, Ipanema, tel.
0/xx/21/3205-9002), e, na
quarta, às 19h, em São Paulo, na
Livraria da Vila (r. Fradique
Coutinho, 915, Vila Madalena,
tel. 0/xx/11/3814-5811).
Para seu editor Augusto Massi, a obra mostra que Chacal
mudou ao longo do tempo, passando de versos mais "crus",
que partiam de uma experiência de pouca erudição e leitura,
para um poeta que conhece e
domina a tradição da poesia
moderna brasileira.
"Do ponto de vista literário, o
Chacal com o tempo foi conhecendo a tradição. Ele depois bebeu dela. Agora ele é um poeta
inserido num contexto, não é
mais um franco-atirador."
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