São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Autor de 'Moreninha' cria 'Manual de Esperteza'

Político inescrupuloso e sedutor narra livro de Joaquim Manuel de Macedo sobre as falcatruas da vida pública

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) não tinha como saber, aos 24, que estava prestes a atrair sobre si o ódio de boa parte da população brasileira. Não por um crime ou por uma infâmia, mas pela publicação de um livro.
"A Moreninha" (1844), seu primeiro romance, há décadas é odiado por milhões de estudantes. Suas outras obras não tiveram melhor sorte.
A prática educativa vigente nas escolas é fundada na "pedagogia do exame". Por isso nossos autores canonizados não são lidos por prazer, mas por obrigação.
Macedo, Aluísio Azevedo, Machado de Assis e tantos outros formam uma barreira inflexível pela qual o aluno tem de passar.
Seria muito bom se as "Memórias do Sobrinho de Meu Tio" não figurassem nos programas didáticos. A sátira política publicada originalmente em 1868, mas ainda bastante atual, merece leitores espontâneos e apaixonados.
O memorialista do romance de Macedo é o ambicioso senhor F., uma das figuras mais calhordas e oportunistas da ficção brasileira.

POLITICAGEM
No Rio de Janeiro do Brasil Imperial, F. ama a si mesmo mais do que tudo. É um adorador do próprio umbigo que não se cansa de repetir: "O amor do Eu é e será sempre a pedra angular da sociedade humana".
Ao herdar do tio morto uma pequena fortuna, F. não se dá por satisfeito. Quer mais. Casa com sua prima, dona de outros tantos contos de réis. Mas ainda quer mais. Quer ser pelo menos barão.
Como atingir seu objetivo? Ingressando na carreira política, é claro. Logo tem início uma série mirabolante de conchavos, fraudes, trocas de favores e alianças espúrias.
Os assuntos de Estado são pastoreados pela ambição pessoal. A vida pública e a particular formam um único partido: o partido do Eu.
O romance é também um "Manual de Esperteza" repleto de regras e classificações hilárias. Por exemplo, depois de afirmar que "um ministro de Estado tem muitas caras", o narrador passa à enumeração: cara de nenê que faz festa, cara de animal de sela, cara de dançarino que torceu o pé etc.
Virando o racionalismo de cabeça para baixo, F. segue brincando com as definições: "O povo é um animal de carga capaz de carregar às costas o próprio diabo", "a mentira é um manjar delicioso e inocente preparado para alimentar o público" etc.
Calejado no jornalismo e na política, Macedo conhecia bem o repertório de conluios e falcatruas da vida pública. Isso lhe permitiu criar um protagonista inescrupuloso, sem dúvida, mas terrivelmente divertido e sedutor.

NELSON DE OLIVEIRA é autor de "'Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)

MEMÓRIAS DO SOBRINHO DE MEU TIO
AUTOR Joaquim Manuel de Macedo
EDITORA Penguin/Companhia das Letras
QUANTO R$ 27 (376 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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