São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

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CRÍTICA POESIA E TEATRO

Absurda e concreta, obra de Václav Havel ganha tradução

Trabalhos do ex-presidente tcheco são vertidos diretamente do original

ALEXANDRA MORAES
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Ex-presidente da República Tcheca (1993-2003) e da então Tchecoslováquia (1989-1992), Václav Havel seguiu, na arte, alguns dos principais experimentos formais do século 20. No teatro, filiou-se ao absurdo. Na poesia, moldou-se pelo concretismo.
Nas obras que agora saem no Brasil, traduzidas diretamente do tcheco por Eva Batlickova na coletânea "Poesia & Teatro", a exploração dos limites da forma guia o drama e os versos de Havel.
A escolha do autor não chega a ser uma surpresa. Nascido em 1936 numa família burguesa e tendo crescido entre a invasão nazista de 1938 e o golpe do Partido Comunista que resultou em mais de 40 anos de domínio soviético, Havel se serviu das formas fragmentadas e aparentemente "sem sentido" para expressar um dia a dia que ia na mesma toada.
Questões sobre sua classe de origem num sistema político que a abominava, que marcou Havel desde os primeiros anos de escola, transparecem nas obras.
Em "Confraternização de Jardim", a peça que abre o volume, um filho que aparenta ser um "intelectual burguês" preocupa a família. O casamento de um irmão com a filha do zelador é visto ironicamente como bom negócio de aproximação com a "classe dos operários".
A burocratização desumanizadora do regime e seus malabarismos retóricos deixam o conteúdo do texto, de 1963, alinhado à proposta formal do absurdo.
Os poemas, hoje, podem soar datados, por talvez terem confiado demais no poder expressivo do concretismo. Ainda guardam, porém, algo do humor humanista capaz de ultrapassar as barreiras que a forma, ao tentar justamente quebrar limites, acabou impondo aos versos.
Uma interrogação no meio de um pelotão de exclamações é o poema "Filósofo". Em "Declaração de Amor (em Código Cibernético)", os 0 e 1 da linguagem binária se despedaçam ao longo da página -a decodificação ali é apenas visual. Havel evoca Franz Kafka numa improvável "segunda parte" de "O Castelo" em 11 linhas. E transforma as declinações do substantivo "povo", em tcheco, num poema antipopulista.
Já a peça que encerra o volume, "Largo Desolato", foi escrita bem depois, em 1984, e se desenrola em torno do filósofo Leopold e de sua paralisia intelectual.
A tradução da angústia de Leopold tem um peso diferente dos trabalhos dos anos 1960. Carrega a gravidade dos anos seguintes à invasão da Tchecoslováquia, em 1968, e o aumento da atividade política de Havel, que culminaria com o manifesto "Carta 77" e com a chegada à Presidência.

POESIA & TEATRO
AUTOR Václav Havel
TRADUÇÃO Eva Batlickova
EDITORA Annablume
QUANTO R$ 75 (296 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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