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"EYES WIDE SHUT" - ANÁLISE
Kubrick escolheu casal "de mentirinha"
GERALD THOMAS
especial para a Folha, em Nova York
Stanley Kubrick conseguiu o
"inconseguível": fez com que
Tom Cruise e Nicole Kidman
transassem. Pelo menos, cenicamente, é isso o que acontece ou
quer acontecer.Ou, melhor, não
acontece.
O espectador sente o tédio do
que foi filmar isso, um processo
que se arrastou por dois anos.
"Take" após "take" após "take"
e... nada. Nicole Kidman e Tom
Cruise não conseguiam transar!
As cenas são entediantes, não
críveis, sem serem "incríveis". De
Kubrick, se espera algo visionário, algo ainda não visto, algo profético, típico de um eremita, um
exilado, um paranóico.
Vou deixar bem claro: eu considero Kubrick um total e absoluto
gênio do cinema, um dos maiores
de todos os tempos, um criador
quase sempre à frente de sua época. Mas, sentado pela segunda vez
na platéia de "Eyes Wide Shut",
eu ficava entre a pergunta e a afirmação, assim como Arthur
Schnitzler queria que sua
"Traumnovelle" ficasse entre o
sonho e a realidade.
Será que Kubrick fez um filme
mesmo tão chato? Ou foram os
tempos que ultrapassaram sua
eterna obsessão com a hipocrisia
em torno da sexualidade e da violência? Será que as questões de
Kubrick se exauriram ou foram
atropeladas, assim como foram
tantas questões políticas e sociais?
Ou será que estão ainda mais escondidas, virtualmente adulteradas, embaladas de outra forma?
Kubrick parece estar lutando contra um monstro invisível, nesse
seu ultimo filme, e o monstro lhe
passa a rasteira.
Não é à toa que ele resulta numa
"coisa" quase expressionista. A
arte tem dessas coisas. Um fracasso pode ser revestido por uma
enorme máscara cenográfica e
milionariamente sedutora. Só
que, em "Eyes Wide Shut", vê-se o
esforço do diretor em cada cena.
Nota-se a exaustão dos atores
em participar dessa "mentirinha", proposta por um Schnitzler
no auge de seu processo psicanalítico com "herr" Sigmund Freud,
o próprio, e apropriada por Kubrick como se quisesse dar uma
última "patada" na Hollywood
que ele abandonou há 30 anos.
Qual é a patada? A resposta está
no título. E, para isso, é necessário
mantê-lo em inglês ("Eyes Wide
Shut") ou absorvê-lo com um
pouco mais de liberdade poética e
traduzi-lo como "Olhos Abertamente Fechados".
Ou seja, a profecia do trocadilho
de olhos que vêem e não enxergam traz à tona a hipocrisia ainda
em vigor na sociedade que se diz
progressista, toda equipada para
entrar no mundo virtual.
Mentira. Não estão. Kubrick usa
a sexualidade como simplesmente mais um dos inúmeros tabus
que estacionaram permanentemente entre os seres humanos. E
essa sexualidade é encenada, supostamente, como uma verdadeira festa à fantasia em comemoração da fantasia: ela é a "orgia", comentada pela imprensa tanto ou
mais que o filme em si.
Essa orgia -nada sensual, aliás,
ridícula, boba- nada mais é do
que uma analogia a esse mundo
virtual em que eu e você navegamos nos computadores.
Kubrick usa seu último recurso
antes de morrer e escala um "casal
de mentirinha" para estrelar sua
tentativa de ilustrar o absurdo
que o futuro virtual nos reserva.
Sim, Tom Cruise e Nicole Kidman são ambos gays. O casamento é de conveniência. Os filhos são
adotados. Vão juntos a lugares,
trocam beijinhos, mas não transam.
Ela tem uma namorada fixa há
oito anos. Ele "visita" um engenheiro de som, que mora na Terceira Avenida com a Rua 29.
Hollywood inteira sabe disso. Kubrick usou essa "quase hipocrisia" para selar esse território entre
a realidade e a realidade virtual
que fazem os tempos modernos.
Mas o resultado é, simplesmente, chato. Pena. Pena que o sarcasmo do cineasta, capaz das mais
sofisticadas e, ao mesmo tempo,
mais banais imagens inesquecíveis, como a baba que James Mason deixava escorrer pela boca em
"Lolita", não tenha sido convincente em "Eyes Wide Shut".
Qual é a imagem que sobra? Talvez algumas das máscaras usadas
na tal orgia. Carnaval, obscuridade, travestimento, identidades
falsas, trocadas, sardônicas, repletas de mensagens e leituras que
vão tão longe quanto os protocolos e os tabus da sociedade nos
proíbem de ir. Talvez.
Evidentemente, Tom Cruise e
Nicole Kidman fizeram parte
consensual dessa farsa, tornando-se, de certa forma, cúmplices de
Stanley Kubrick.
Pena que essa cumplicidade tenha resultado em tamanha demonstração de esforço, resultando em duas horas e 40 minutos
estafantes.
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